Algo de podre no ar
Está em curso, segundo os principais jornais do país, uma crise de grandes proporções envolvendo importantes protagonistas do Judiciário, à qual se agrega como parte interessada a Ordem dos Advogados do Brasil.
Nesta quinta-feira, o Estado de S. Paulo traz como manchete a denúncia de que o desembargador Fernando Tourinho Neto, membro do Conselho Nacional de Justiça, teria cometido tráfico de influência em favor de sua filha, Lilian Tourinho, que é juíza no estado do Pará.
Os outros jornais dão curso a manifestações de entidades corporativas por conta de declaração feita na terça-feira pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Joaquim Barbosa, segundo o qual há um conluio entre juízes e advogados e que, por conta de irregularidades, "há muito juiz a ser botado para fora".
A manifestação do ministro ocorreu durante reunião no CNJ justamente quando ele debatia com Tourinho Neto, que participa do Conselho como representante dos juízes federais.
Agora, sabe-se que Barbosa se referia diretamente a uma troca de mensagens eletrônicas nas quais Tourinho Neto parece ter interferido para que o conselheiro Jorge Hélio, indicado para o CNJ pela Ordem dos Advogados do Brasil, autorizasse a transferência solicitada por sua filha, do Pará para Salvador, na Bahia.
Tourinho Neto pediu pessoalmente a Jorge Hélio que despachasse com rapidez o pedido de sua filha, mas nega ter solicitado que a decisão fosse favorável a ela.
O conselheiro de fato deu a decisão rapidamente, e um assessor do ministro o avisou de que o pedido havia sido atendido – apesar de Lilian Tourinho não ter direito a participar do concurso de remoção, porque ainda não havia completado um ano na vara em que é titular.
Um assessor de Tourinho lhe passou uma mensagem lhe dando a notícia e o ministro, ao repassar a novidade para a filha, acabou errando e enviando sua resposta para todos os juízes federais do país, escancarando o fato de que havia interferido para, no mínimo, o caso de sua filha ser apreciado com urgência.
Essa é a origem e a cronologia dos fatos que levaram o presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ a declarar que há um conluio entre juízes e advogados, o que atinge diretamente o ministro Tourinho e o representante da OAB no Conselho.
Interessante observar que a sequência dos fatos é trazida a público pelo mesmo repórter que foi destratado publicamente pelo ministro Joaquim Barbosa, que o mandou "chafurdar no lixo".
Curiosamente, é possível que Barbosa ou alguém de sua assessoria tenha passado ao repórter do Estadão a informação sobre o desastrado email de Tourinho Neto no qual confessa ter tentado beneficiar a filha no Conselho Nacional de Justiça.
O desmanche de Joaquim
A Folha e o Globo, que não tiveram acesso às mensagens, trazem nesta quinta-feira apenas os protestos de associações de juízes e advogados.
Como era de se esperar, a OAB promoveu uma reunião com representantes de associações de magistrados para repudiar publicamente a afirmação do presidente da Corte Suprema.
E tome mais declarações.
No entanto, o vazamento acidental da mensagem de Tourinho Neto, evidencia a prática de conluio entre advogados e juízes, dá razão a Joaquim Barbosa e obriga a OAB e as representações profissionais dos magistrados a fazerem mais do que emitir notas de protesto.
Mas esse fato novo vai apenas para os leitores do Estadão: os demais ficam só com as declarações e a retórica das partes.
No site Migalhas, que costuma refletir a opinião de parte influente da advocacia nacional, há referências desrespeitosas à prática do presidente do STF, de manifestar publicamente suas opiniões com frase fortes.
Num texto sobre o episódio, o autor afirma que quem estava na sessão (na qual o ministro denunciou eventuais conluios entre advogados e juízes) "percebeu o rápido debate, mas não deu tanta importância à joaquinzada".
Segundo o site, que usa um estilo às vezes coloquial e eventualmente gaiato, "o que se demonstra com isso é que o ministro JB, muito habilmente, lança frases de efeito que de certa forma hipnotizam os profissionais da mídia" (ver www.migalhas.com.br/Quentes/
O episódio parece marcar um processo de desmanche da imagem do ministro Joaquim Barbosa.
Como o rei Joaquim de Judá, que segundo a Bíblia, conheceu a glória por apenas três meses e dez dias, o Joaquim da Suprema Corte alcançou os píncaros da aprovação pela mídia e a elite do país há pouco mais de três meses, quando concluiu o julgamento da Ação Penal 470, aquela chamada de "mensalão".
Por conta de suas manifestações intempestivas, parece que as tropas da Babilônia estão às suas portas.
De fato, como diz a publicação muito popular entre advogados, a imprensa é sensível à retórica e se alimenta mais de declarações do que de investigação jornalística.
Acontece que, neste episódio, frases ditas e escritas demonstram que há algo de muito podre no reino de Têmis, a deusa da Justiça.