Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Bullying e violência nas escolas
>>A praga do politicamente correto

Bullying e violência nas escolas

Mais notícias de violência nas escolas, com agressões e assassinatos, trazem de volta à mídia comentários e artigos sobre a prática do bullying.

Desde o massacre de estudantes na escola do Realengo, no Rio, jornais, emissoras de rádio e televisão se dedicam frequentemente ao assunto, com ondas de palpites nas redes sociais.

Para quem desembarca por aqui após alguns anos de ausência, parece que o Brasil de repente descobriu uma das mais antigas tradições dos rituais de passagem da adolescência.

Misturado a citações de livros de auto-ajuda e muitas pitadas de psicologia de botequim, o problema central vai sendo empurrado para fora do debate.

O bullying está presente nos pátios das escolas desde sempre e não precisa ser necessariamente associado a violência.

Tem sido considerado um problema nos Estados Unidos desde os anos 80, quando Los Angeles, Nova York e outras cidades americanas enfrentavam a praga das gangues em escolas e nas ruas.

Nos anos 90, alguns artistas se engajaram numa campanha para reduzir a violência no ambiente escolar e se convencionou que a velha e boa gozação entre colegas estava passando dos limites.

O compositor Peter Yarrow, do trio Peter, Paul and Mary, criou a música intitulada “Don’t laugh at me”, que acabou se transformando em tema de campanha internacional (ouça a música no Youtube).

Este observador foi um dos autores da versão da música em Português e participou do lançamento da campanha no Brasil, por iniciativa do empresário e educador Oscar Motomura, presidente da empresa Amana-Key.

Foi criado um site no qual educadores e outros interessados podem obter gratuitamente material para orientar alunos e professores sobre como criar um ambiente de mais compaixão, respeito e colaboração nas escolas. (http://www.operationrespect.org/curricula/index.php).

Uma das primeiras iniciativas fora dos Estados Unidos foi produzida em Israel e nos territórios palestinos.

No entanto, o vírus do politicamente correto vem contaminando as discussões em torno do problema.

Nem tudo que é chamado de bullying deve ser considerado violência.

Bulir com alguém, fazer provocações e reagir a elas na medida certa é parte do aprendizado social de crianças e adolescentes.

Do jeito como essa prática natural e corriqueira vem sendo tratada pela mídia, porém, parece que todo estudante provocador é um agressor em potencial.

A praga do politicamente correto

O que estaria por trás da aparente incapacidade da sociedade contemporânea de lidar com essa questão?

O que pode levar um jovem a matar o colega por causa de brincadeiras no pátio da escola?

Será que tudo que é apontado como bullying é mesmo perseguição reiterada, ou estamos criando uma geração de cidadãos sem jogo de cintura, incapazes de superar uma crítica ainda que carregada de ironia?

Alguns especialistas entrevistados nos últimos dias pela imprensa se referem a excessos de protecionismo de pais ausentes, que tentam suprir a carência de atenção com o atendimento de todos os desejos de seus filhos.

Como resultado, dizem, criamos pessoas que se consideram incapazes de resolver sozinhas seus problemas e que, diante de dificuldades, transferem a culpa para o outro.

Além disso, que exemplos a mídia oferece a esses adolescentes no sentido de lhes transmitir noções de tolerância e respeito às diferenças?

Na elaboração da campanha inspirada por Peter Yarrow, discutiu-se amplamente a necessidade de ensinar aos jovens o valor da diversidade, mostrando a eles que todas as pessoas, principalmente no período de passagem entre a infância e a fase adulta, estão em processo de mudança.

A magricela da sala pode vir a ser uma Gisele Bunchen daqui a dois anos, e o menino esquisito na primeira fila pode vir a ganhar um Prêmio Nobel.

Ou se transformar no criador do novo Facebook.

A violência nas escolas não pode ser dissociada da violência na sociedade em geral.

Por outro lado, violência não é apenas a agressão física, mas também a falta de oportunidades e perspectivas, as gritantes diferenças sociais e a ausência de espaços e oportunidades para o diálogo na formação de futuros cidadãos.

Nas escolas assim como na mídia.

Numa sociedade atravessada pela ideologia do prazer sem limites e do culto às celebridades, a dor moral do fracasso pode se tornar insuportável.

Contaminados pelo politicamente correto, os debates que se seguem a novos casos de violência nas escolas brasileiras andam longe de tocar no ponto central do problema.