Concorrência ameaça a imprensa
Nesta terça-feira, dia 16, último dia da Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa, os jornais destacam o que deveria, no final da tarde, compor o núcleo das conclusões do encontro.
Mais uma vez, a entidade que representa a imprensa tradicional nas Américas manifesta suas preocupações com ameaças hipotéticas à liberdade de expressão.
Segundo o Estado de S. Paulo, o ponto alto da reunião de segunda-feira, primeiro dia da agenda oficial, foram as manifestações de dirigentes de jornais sobre os riscos que pairam sobre a atividade jornalística na região.
Júlio César Mesquita, presidente do comitê anfitrião e membro do Conselho de Administração do Grupo Estado, destacou a violência praticada pelo crime organizado contra jornalistas e repetiu as queixas dos donos de jornais contra governos que estariam alterando a legislação para estabelecer controles sobre a mídia.
Os outros jornais ignoraram o discurso de Mesquita mas repetem o bordão da ameaça contra o direito fundamental à informação.
Um painel com a presença dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, do Brasil, e Alan Garcia, do Peru, foi o mais assertivo nesse sentido, com referencias a um possível “retrocesso” nas conquistas democráticas do continente.
A rigor, nem mesmo o mais conservador entre os dirigentes de jornais concordaria que há no Brasil “um ressurgimento do pensamento contrário à democracia”, conforme afirmou o ex-presidente Fernando Henrique.
Talvez alguns concordassem com Alan Garcia, que denunciou o que qualifica como “estatismo comunicacional” e ironizou o que considera “a nova estratégia de grupos autoritários, que, depois de atacar políticos ou o liberalismo, agora atacam a imprensa”.
Muito à vontade entre correligionários, os dois ex-presidentes ainda encontraram ânimo para fazer anedotas, segundo o Estadão.
No entanto, não há muitos motivos para riso na atual situação dos jornais tradicionais.
E isso tem pouco a ver com os debates sobre regulação do setor de comunicações, assunto que permanece na agenda, pelo menos no Brasil.
A globalização da imprensa
A principal ameaça às empresas tradicionais de comunicação no Brasil foi representada, na assembleia da SIP, pelo anúncio do presidente da New York Times Company, Arthur Sulzberger Jr., de que sua organização vai investir num site jornalístico em português dirigido ao público brasileiro.
O New York Times já publica um caderno semanal de artigos, encartado às segundas-feiras naFolha de S. Paulo e que circula em 28 países, e recentemente abriu também serviços jornalísticos em mandarim, para conquistar leitores chineses.
O que Sulzberger Jr. anunciou na SIP, e que deveria preocupar os donos de jornais, é a globalização real das grandes marcas internacionais da imprensa, por meio das tecnologias digitais de comunicação.
Essa iniciativa pode acabar tornando inócuo o artigo 222 da Constituição, penosamente aprovado pelas empresas nacionais há dez anos, que limita em 30% a participação do capital estrangeiro em negócios de comunicação no Brasil.
Em abril de 2010, a Associação Nacional de Jornais e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão abriram ação na Procuradoria Geral da República contra o grupo português Ongoing – que tem participação na propriedade dos jornais Brasil Econômico e O Dia e adquiriu recentemente o portal Ig – e o grupo espanhol Telefónica, que controla o portal Terra.
As empresas tradicionais de mídia alegavam que a internet não pode ser uma “terra de ninguém” e exigiam que a Justiça aplicasse a lei restritiva aos portais da rede mundial de computadores.
No entanto, a iniciativa do New York Times, anunciada festivamente por Sulzberger Jr. na casa de seus futuros competidores, representa uma concorrência ainda mais pesada contra os as empresas nacionais justamente quando elas começam a definir uma estratégia de atuação na internet através das tecnologias de publicação multiplataforma.
De acordo com o diretor da empresa americana, “agora é a hora de investir no Brasil”, país que se tornou “um centro internacional de negócios”, e que, segundo afirmou, “teve sucesso marcante em reduzir a pobreza, ampliar a mobilidade social e trazer seus cidadãos para a classe média – e continua a fazê-lo”.
Os donos de jornais brasileiros certamente concordam que há grandes oportunidades no Brasil, embora não saibam exatamente como aproveitá-las, mas discordam do diagnóstico de redução da pobreza e têm motivos de sobra para temer o futuro concorrente.