Confundir para convencer
Os jornais desta quinta-feira (19/3) tiram do anonimato o relatório que critica a política de comunicação do governo federal.
Segundo a imprensa, o autor do documento seria o próprio ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Thomas Traumann.
Ou seja, na versão que se discute publicamente, o ministro teria feito uma autocrítica devastadora e em seguida se ausentou do País, para atender a uma irmã que se encontra em tratamento médico nos Estados Unidos.
Esse roteiro se desenrola paralelamente à saída do ministro da Educação, Cid Gomes, que se demitiu após um bate-boca com parlamentares, durante discurso na tribuna da Câmara dos Deputados, e de novas revelações sobre as contas secretas na sucursal suíça do banco britânico HSBC (ver aqui).
No mesmo dia, a Folha de S. Paulo abre uma página inteira para o dono da empreiteira Engevix, envolvida no escândalo da Petrobras – trabalho caprichoso da assessoria de imprensa Andreoli MSL, que conseguiu plantar no jornal o discurso do empresário, segundo o qual os corruptores são apenas vítimas no esquema da corrupção.
Então, temos o seguinte quadro: o ministro destemperado, que havia feito comentários desairosos sobre o Parlamento, dizendo, em conversa informal com estudantes, que a Câmara abriga 300 ou 400 deputados achacadores, cria as condições para uma troca de cadeiras no governo.
O ministro da Secretaria de Comunicação é acusado de não saber se comunicar e a Folha, cujo diretor-presidente é suspeito de ser beneficiário de conta secreta no HSBC da Suíça, acaba contribuindo para a defesa do governo, do Partido dos Trabalhadores e do ex-ministro José Dirceu contra as acusações veiculadas nos últimos dias pela imprensa.
O leitor apressado, que busca o noticiário apenas para confirmar suas opiniões, vai se concentrar na manchete, no alto da primeira página: "Paguei propina de R$ 10 milhões na Petrobras, afirma empreiteiro".
Se tiver mais curiosidade, chega à página A-10, onde, sob o selo "Petrolão", vai se deparar com o título da reportagem: "Aparelharam a Petrobras para achacar empreiteiras".
O midiota típico vai se satisfazer com esses enunciados, e corre para os comentários no Facebook, a repetir o que acha que sabe.
É de morrer de dó
Mérito da assessoria de imprensa do empresário, que o preparou bem nas sessões de "Qs&As", ou seja, treinamentos de entrevista, no jargão anglófilo da comunicação corporativa.
Mas o leitor crítico, aquele que desconfia das manchetes, vai mais fundo e coleta nas declarações alguns pontos interessantes.
Um deles: "Nunca pagamos doação de campanha para ganhar contratos ou fazer obras".
Outra afirmação: "Nunca foi propina (o contrato com o ex-ministro José Dirceu). Dirceu foi contratado pelo relacionamento que tinha no Peru, em Cuba e na África".
Uma terceira: "Era uma relação de lobby, nunca para pagamento de propina" (a contratação do lobista Milton Pascowitch, ligado ao PT).
Resumindo a ópera: o empresário afirma que as empreiteiras não fazem cartel, apenas evitam competir com as empresas que já estão tocando obras em determinado setor, o que resulta numa espécie de mapeamento de territórios; não há superfaturamento, mas erros técnicos do Tribunal de Contas da União, que equipara operações diferentes, como asfaltar uma estrada e fazer uma pista de aeroporto; as diferenças de preço ocorrem por causa de projetos mal feitos, que são aprimorados no decorrer da obra.
Por fim, segundo ele, as doações de campanha não têm relação com pagamentos extras por contratos da Petrobras.
O empreiteiro se coloca como vítima de um esquema de propina quase ingênuo: os contratos são ganhos por licitação, mas para receber em dia e ter aprovadas as medições que comprovam a realização do serviço, precisam pagar "taxa de facilitação".
A entrevista pode ser comprada pelo valor da manchete – segundo o dono da Engevix, "os políticos aparelharam a Petrobras para arrancar dinheiro das empreiteiras".
Mas os aspectos mais interessantes estão nos detalhes.
Quem não se afogar em lágrimas de dó há de se perguntar: o que isso tem a ver com o relatório atribuído ao ministro-chefe da Secom e com a ruidosa demissão do ministro da Educação?
Nada.
Apenas parte da confusão que a imprensa costuma fazer para reforçar a tese de que o Brasil está mergulhado no caos político, num mar de lama e numa grave crise econômica.
Trata-se de confundir para convencer.