Desmatamento e enchentes: tudo a ver
Mais uma vez a imprensa noticia transtornos causados pelas chuvas no estado de Santa Catarina. Desta vez, são 14 cidades em estado de emergência, uma em estado de calamidade e 470 mil pessoas afetadas.
No total, 59 municípios apresentam problemas de maior ou menor grau, mas deve-se dizer que não se pode cruzar o território catarinense, por estes dias, sem topar com alagamentos.
O problema já afeta o transporte na principal rodovia do país, que liga o Sudeste aos mercados do Sul.
E deve-se levar em conta que ainda estamos longe da época das grandes chuvas.
O noticiário faz o cuidadoso balanço dos números de desabrigados, daqueles que foram desalojados de suas casas, das unidades residenciais com risco de desabamento, dos deslizamentos de terra e quedas de barreiras, da falta de energia elétrica e das escolas transformadas em acampamentos de emergência.
Mas não há uma palavra sobre as razões pelas quais, praticamente todos os anos, o estado de Santa Catarina sofre tanto com as chuvas.
Chove igualmente no Paraná, no Rio Grande do Sul e na região sul do Estado de São Paulo nos mesmos períodos, e a imprensa nunca manifesta grande curiosidade sobre as razões pelas quais os danos são sempre maiores em Santa Catarina.
Talvez os jornais devessem publicar um levantamento sobre a perda da cobertura vegetal na região e apresentar o estado de Santa Catarina como o que realmente é: um exemplo do que vai acontecer em todo o Brasil se passar no Senado a proposta de flexibilização do Código Florestal, que, aliás, tem como relator um catarinense, o peemedista Luiz Henrique da Silveira.
Ex-governador de Santa Cataraina, ele foi o principal estimulador do movimento que tenta transferir da esfera federal para os estados a atribuição de legislar sobre questões ambientais.
Seu argumento, o de que cada estado tem suas próprias conveniências no que se refere à ordenação da atividade agrícola, não resiste à análise mais leviana, mas ele conseguiu arregimentar a força do agronegócio em torno dessa tese anti-republicana.
Os catarinentes que todos os anos sofrem com as enchentes deveriam ser informados, pela imprensa, de que são vítimas de sua própria incúria.
Nos últimos quinze anos, o estado tem frequentado as listas dos maiores desmatadores, com grande devastação registrada entre os anos de 2005 e 2008, período em que Luiz Henrique foi governador.
Uma história de destruição
Os mapas dos desmatamentos em Santa Catarina mostram que a região Oeste do estado, onde nascem muitos dos rios que têm provocado inundações, sofre um processo gradativo de desertificação, com a eliminação da cobertura vegetal.
Cerca de 30 mil hectares de Mata Atlântica desaparecem a cada ano, na média da última década.
Nas região mais próxima do litoral, onde os rios passam por zonas mais densamente povoadas, têm ocorrido com muita frequência inundações súbitas, que já provocaram muitas mortes nos últimos anos.
A imprensa costuma registrar com muitos detalhes cada uma dessas ocorrências, e eventualmente as reportagens se referem à destruição das matas ciliares como uma das causas de catástrofes.
Mas nunca se lê sobre as razões mais profundas que fazem de Santa Catarina historicamente um estado de predadores ambientais.
Minas Gerais e Paraná também frequentam as estatísticas de desmatamento, mas as imagens do território catarinense são muito mais impressionantes.
Mesmo que, nos levantamentos mais recentes, seja possível observar uma queda na perda de florestas, isso se deve em grande parte ao fato de que quase não há mais o que destruir.
Os esforços realizados nos últimos cinco anos em todo o Brasil têm dado resultados e a luta para a preservação da Amazônia, que chama muito mais atenção da imprensa, produz alguns benefícios também em outros biomas, como a Mata Atlântica.
Mas o noticiário sobre enchentes deveria estar provocando mais curiosidade nos jornalistas sobre as causas de tantos danos.
Além disso, as reportagens que eventualmente acompanham os debates sobre o novo Código Florestal deveriam destacar a inegável contribuição que tem oferecido à destruição ambiental o senador encarregado de dar as últimas pinceladas na futura legislação.
O texto está para ser votado. A imprensa noticia as consequências da irresponsabilidade, mas não parece enxergar as causas.