Discutindo a TV religiosa
Reportagem no jornal O Estado de S.Paulo informa que o Ministério Público Federal na cidade de Guaratinguetá pediu à Justiça a anulação das concessões das emissoras de TV Canção Nova e TV Aparecida, sediadas no interior paulista e controladas por organizações ligadas à igreja católica.
O motivo apresentado é técnico – a TV Canção Nova é controlada pela Fundação João Paulo II, grupo ligado à Renovação Carismática, e a TV Aparecida é parte da rede do Santuário de Aparecida – e nos processos administrativos no Ministério das Comunicações, seus pedidos de concessão têm como justificativa o suposto caráter educativo das emissoras.
Por essa razão, segundo o Ministério Público, deveria ter havido uma licitação para selecionar a organização que apresentasse o melhor projeto educacional.
É mais do que sabido que nenhuma das duas emissoras tem qualquer vínculo com projetos de educação. Elas servem como veículos para pregação religiosa e apoio a políticos ligados aos dois grupos católicos. Portanto, houve fraude no processo administrativo.
Suas programações são ocupadas por transmissões de missas, entrevistas com sacerdotes e próceres do catolicismo ligados a uma e outra das tendências que dominam a igreja, e alguns programas com palestras e debates variados, sempre pontuados por pregação religiosa.
Em meio aos religiosos profissionais, parlamentares e outras autoridades disputam o espaço de influência sobre os fiéis telespectadores.
Não há o menor sinal de diversidade de crenças ou sequer de tolerância com relação a outras confissões.
Mesmo com a declaração do Ministério Público, de que se trata de um procedimento normal, uma vez que a concessão foi dada sem licitação, a reportagem do Estadão dá a entender que se trata de uma iniciativa de inspiração política.
As duas emissoras estiveram envolvidas, no ano passado, na polêmica em torno da questão do aborto. A TV Canção Nova chegou a transmitir, durante a campanha eleitoral, um programa ao vivo no qual um padre pedia aos católicos que não votassem na então candidata Dilma Rousseff.
A mera insinuação de que poderia estar havendo interesses políticos envolvidos na iniciativa do Ministério Público Federal desvia a questão do tema central, que se refere à democratização dos meios de comunicação.
A concessão para exploração de canais de televisão é feita pela Presidência da República, após análise do Ministério das Comunicações, e ratificada pelo Congresso.
No caso das duas emissoras católicas, o que está sendo contestado é o processo administrativo, onde costumam ocorrer os vícios que levam a transgressões na lei, como a outorga de canais de rádio e TV a parlamentares.
Televisão para todos
Contribui para desviar o assunto das razões apresentadas pelo Ministério Público o fato de que, recentemente, o conselho deliberativo da TV Canção Nova decidiu suspender a transmissão do programa Justiça e Paz, apresentado pelo presidente do PT de São Paulo, deputado estadual Edinho Silva. A suspensão ocorreu no dia da estréia, quando o dublê de parlamentar e apresentador levou como convidado, para uma entrevista, o secretário-geral da Presidência da República, ministro Gilberto Carvalho.
Segundo o Estadão, o ministro, que é católico e ligado a grupos religiosos, havia intermediado a reaproximação entre a presidente Dilma Rousseff e dirigentes da Canção Nova.
A inclusão dessa informação na notícia sobre a medida do Ministério Público contribui para dar um caráter político à iniciativa da procuradoria.
Segundo a direção da emissora, o afastamento do deputado-apresentador faz parte de um processo de mudanças na grade de programação.
Também foram suspensos os programas de outros políticos, como o deputado federal Gabriel Chalita, os deputados estaduais Eros Biondini e Myriam Rios, além do secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, Paulo Barbosa, e da primeira-dama paulista, Maria Lúcia Alckmin.
A ação do Ministério Público Federal abre espaço para uma discussão que a imprensa aparentemente não tem intenção de abrigar: a outorga de concessões de canais de rádio e TV para grupos eminentemente religiosos cuja militância é travestida de ação educativa.
Segundo o procurador Adjame Oliveira, autor das ações contra a TV Canção Nova e TV Aparecida, o processo de outorga sem licitação contraria o princípio da utilização democrática e transparente dos canais de televisão.
A rigor, se grupos católicos podem ter suas emissoras, com o argumento da atividade educacional, nada impede que qualquer cidadão crie uma seita e pleiteie também sua própria televisão.
Afinal, três jornalistas da Folha de S.Paulojá demonstraram em novembro de 2009 (ver em www1.folha.uol.com.br/folha/
Muito mais fácil do que abrir uma microempresa.