Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Em rota de colisão
>>A teoria e a prática

 

Em rota de colisão

A leitura de jornais nesta quinta-feira (25/04) indica que o Brasil está na iminência de sofrer uma crise institucional sem possibilidade de solução fácil: numa sucessão de lances rápidos e incisivos, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional interferem mutuamente nas atribuições um do outro, causando a deterioração das relações entre os poderes da República.

O conflito está nas manchetes.

Diz o Globo: "Câmara dá 1o. passo para tirar poder do STF".

Anuncia a Folha de S. Paulo: "STF suspende projeto que beneficia Dilma na eleição". 

Globo se refere à aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, de emenda que submete ao Congresso Nacional as decisões da Suprema Corte.

Folha noticia que o ministro Gilmar Mendes, do STF, concedeu liminar barrando a tramitação, no Congresso, de projeto de lei que retira dos novos partidos o amplo acesso ao fundo partidário e ao tempo de propaganda na televisão.

Estado de S. Paulo deixou os dois assuntos em segundo plano e achou mais apropriado destacar uma proposta do senador mineiro Aécio Neves  (PSDB), que pretende restabelecer o mandato de cinco anos e acabar com a reeleição para cargos executivos. 

O conflito é explícito entre os dois poderes, mas, segundo os jornais, o Legislativo atua em favor da Presidência da República, que detém a maioria no Congresso, e estaria sufocando a oposição.

O noticiário não esclarece de que lado estaria o Supremo Tribunal Federal, e se supõe, então, que se trata de um poder moderador, dedicado a preservar a Constituição.

Também fica sem esclarecimento o papel de um quarto poder, a própria imprensa, que tem entre suas funções implícitas a de mediar a comunicação institucional, e certamente também tem interesses próprios nessa disputa. 

Tanto quanto no Congresso Nacional, as ações da Suprema Corte dependem da diversidade para produzirem equilíbrio, com a diferença de que no STF um só ministro pode tomar decisões capazes de paralisar os demais poderes, pelo menos temporariamente.

O trágico, para a democracia brasileira é que, no momento, nenhuma dessas instituições pode se apresentar com credenciais para produzir um entendimento entre as partes. 

A teoria e a prática

Os três poderes da República estão claramente contaminados por certo  radicalismo, que se agrava rapidamente com a proximidade de eleições.

Como suas ações, intenções e manifestações passam pelo filtro da imprensa, seria natural que o leitor e eleitor pudesse contar com alguma fonte confiável para conferir suas convicções.

Mas a prática dos jornais não aconselha uma leitura inocente: a narrativa da imprensa denuncia escolhas que definem a interpretação dos fatos antes mesmo que aconteçam. 

Por exemplo, se tal ou qual personagem da vida pública fizer um gesto, tomar uma atitude ou produzir uma ação, a imprensa, em sua expressão hegemônica, examinará tal manifestação conforme essa matriz de valores que delimitam o campo da disputa ideológica que é o pano de fundo de toda controvérsia.

De tão viciado o jogo, é provável que já nenhum dos lados se lembre de como tudo começou, mas os editores sabem muito bem o que está em disputa.

Mas não é tudo parte do jogo democrático? – perguntaria alguém ainda abençoado pela inocência. 

Sim, diria o analista ponderado.

Acontece que, na transferência dos fatos isolados para o chamado espaço público, os atos, gestos e manifestações ganham outro significado, que lhes dá a imprensa.

É na narrativa, essência do fazer jornalístico, que ocorre tal transformação.

Assim, da palavra de um político ou de um magistrado a imprensa constrói uma realidade.

O ponto central dessa crise é, portanto, a capacidade ou o interesse da imprensa em fazer uma mediação minimamente equilibrada da controvérsia. 

Como diz o teórico português Nelson Traquina, o jornalista precisa dominar o "saber da narração" e o papel "essencialmente conservador e legitimador" do jornalista deve ser exercido na "região do consenso", ou seja, na temática que congrega os valores consensuais da sociedade, como a defesa da democracia e da legitimidade dos poderes.

Outra coisa é a "esfera da controvérsia legítima", onde as principais virtudes do jornalismo seriam relacionadas à objetividade.

Finalmente, há também, segundo essa teoria, o terceiro campo, a "esfera do desvio", onde o jornalismo deveria identificar na agenda pública o que seriam atos políticos legítimos ou ilegítimos.

Aqui sucede, como diria o falecido Joelmir Beting, que na prática a teoria é outra.