Ignorância e preconceito
A revista Época que circula nesta semana tomou como tema de capa a doença que acomete o ex-presidente Lula da Silva. A reportagem tem duas partes: na primeira, conta como Lula descobriu o câncer, quais são suas chances de cura e especula como será sua atividade política durante o tratamento.
Na segunda parte, a revista semanal do grupo Globo se dedica a analisar os fundamentos de uma campanha que circula na internet, na qual os participantes defendem que o ex-presidente deixe o tratamento no Hospital Sírio-Libanês de São Paulo e passe a ser tratado pelo SUS – Sistema Único de Saúde.
Segundo a revista, mesmo afastado das atividades políticas e proibido de falar durante algum tempo, Lula continua influenciando seu partido e desenhando o plano eleitoral para 2012.
A seu pedido, a senadora Marta Suplicy, favorita nas pesquisas para a Prefeitura de São Paulo, desistiu da candidatura em favor do preferido de Lula, o ministro da Educação, Fernando Haddad.
Nesta segunda-feira, dia 7, o senador Eduardo Suplicy também anuncia sua desistência e decide apoiar Haddad, confirmando que, mesmo doente, Lula não deixará espaço para decisões que contrariem sua vontade.
Essencialmente, o noticiário sobre o câncer que brotou na laringe do ex-presidente foi conduzido pela equipe de comunicação do Hospital Sírio-Libanês, um centro de excelência que atende clientes privados e planos de saúde especiais.
Desde que foi diagnosticada a doença, tem surpreendido a imprensa a transparência com que o ex-presidente e a equipe que o atende tratam o assunto.
Até mesmo a revista britânica The Economist levantou a questão, conforme lembra Época, comparando a maneira clara como Lula tem liberado informações sobre o tratamento e o estilo com que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, lida com o câncer de próstata.
No Brasil, observa a revista, informações sobre a saúde de políticos quase sempre são manipuladas por interesse eleitoral.
Mas o aspecto mais interessante da reportagem da revista Época se refere ao movimento preconceituoso que se espalhou rapidamente na internet.
Basicamente, os participantes manifestam regozijo com a doença do ex-presidente e recomendam que ele abandone o Sírio-Libanês e sua equipe de especialistas famosos e passe a fazer o tratamento no Sistema Único de Saúde.
A revista foi, então, analisar o que é o SUS e verificar se o preconceito desses internautas tem algum fundamento.
Pobreza de espírito
Segundo a reportagem, o movimento lançado na internet demonstra falta de conhecimento sobre o sistema público de saúde. Citando uma pesquisa realizada no ano passado pelo Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada –, observa que 80% dos entrevistados consideram “bom” ou “muito bom” o programa Saúde da Família, avaliação que também é feita por 69% dos brasileiros sobre o sistema de distribuição de alimentos e 60% dos que foram atendidos por médicos especializados.
De acordo com a pesquisa, o grau de satisfação é mais baixo nos quesitos urgência e emergência e postos de saúde.
A revista também colocou seus repórteres na rua para conhecer as Organizações Sociais de Saúde (OSS), entidades privadas sem fins lucrativos que administram hospitais públicos.
A reportagem constatou ainda que o SUS sofre de má gestão e possui muitos gargalos, principalmente no primeiro atendimento.
Além disso, nos setores onde funciona bem, acaba sendo procurado por muitos cidadãos que possuem planos de saúde privados, uma vez que encontram no SUS serviços complexos, como transplantes.
Com isso, o sistema público acaba atendendo parte da população que possui um plano privado, o que dificulta a assistência daqueles que não têm outro recurso.
A reportagem esclarece que não há motivos razoáveis para o movimento que pretendia levar Lula ao SUS.
Se tivesse optado pelo tratamento no sistema público, o ex-presidente estaria sendo atendido pelo mesmo médico que o assiste no Sírio-Libanês, observa a revista Época.
Quem se incomoda ao vê-lo sendo recebido no Sírio-Libanês provavelmente o faz movido por preconceito, pelo fato de Lula ter origem humilde, diz a publicação.
Apenas faltou à revista um esforço adicional para tentar entender por que persiste esse preconceito entre grande parte dos brasileiros, principalmente na classe média tradicional.
Ignorância e má-fé certamente serão o padrão do raciocínio de muitos brasileiros durante muitas gerações, mas talvez a imprensa tenha alguma responsabilidade no orgulho com que tanta gente exibe sua pobreza de espírito.