Imprensa versus Justiça
A solidariedade entre os principais veículos da imprensa brasileira é um movimento errático: durante as temporadas de grandes escândalos, jornais e revistas trocam tantas referências mútuas que chegam a confundir até mesmo os leitores mais atentos. Mas na entressafra, quando outros assuntos, como guerras e crises econômicas, disputam o espaço no papel, é cada um por si.
Por esse motivo, torna-se interessante observar como os outros jornais acompanham a indignação do Estadão com a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça de anular as provas colhidas durante a chamada Operação Boi Barrica, depois rebatizada de Operação Faktor, fazendo o caso voltar à estaca zero.
Para refrescar a memória, convém lembrar que a investigação sobre tráfico de influência, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro chegou à família Sarney quando o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou, em 2006, um saque de R$ 2 milhões em espécie, feito pelo empresário Fernando Sarney.
Na ocasião, sua irmã, Roseana, era candidata ao governo do Maranhão.
Fernando Sarney chegou a ser indiciado pela Polícia Federal em São Paulo.
Depois disso, uma decisão judicial tomada por um desembargador que mantém notórias ligações com a família do presidente do Senado – e referendada pelo STF – determinou que o jornal O Estado de S.Paulo estaria proibido de publicar informações sigilosas referentes ao caso.
Desde então, o jornalão paulista conta os dias em que se considera sob censura prévia. Na edição desta terça-feita, a contabilidade chega a 781 dias.
Mas há controvérsias sobre a efetividade dessa suposta censura, uma vez que os outros jornais seguiram publicando informações sobre o processo contra Fernando Sarney. O jurista Dalmo de Abreu Dallari já havia demonstrado em 2009 que, na verdade, o Estadão não estaria sob censura, mas praticando autocensura, uma vez que a Justiça não proibiu o jornal de publicar a decisão judicial, mas os dados relativos a Fernando Sarney “eis que obtidos em sede de investigação criminal sob sigilo judicial”.
(ver http://www.
A decisão da 6a. Turma do STJ, tomada por unanimidade, lança ainda mais confusão sobre o tema, ao anular as provas obtidas através de interpectação de comunicações.
Um silêncio ensurdecedor
Do ponto de vista jurídico, cabe muita discussão sobre a decisão de anular provas obtidas por meio de gravações de comunicações privadas.
Do ponto de vista jornalístico, o mínimo que se pode dizer é que, ao tomar tal medida, o Superior Tribunal de Justiça desautoriza a ação da polícia e do Ministério Público e acrescenta algumas pedras ao entulho do descrédito das instituições públicas brasileiras.
O caso recente da prescrição do crime que teve como protagonista o ex-jogador de futebol Edmundo Alves de Souza Neto e o longo período de liberdade concedido ao jornalista Antonio Pimenta Neves, assassino confesso, já eram assuntos suficientes a alimentar opiniões segundo as quais o Judiciário contribui de várias formas para a impunidade e a ineficácia da Justiça.
A anulação das provas contra Fernando Sarney e outros envolvidos na Operação Faktor deve esvaziar o processo judicial e, segundo o Estadão desta terça-feira, coloca em risco outros quatro processos.
Cabe perguntar se, com isso, o Estado de S.Paulo vai finalmente se declarar livre dos grilhões da censura.
Mas essa é uma questão menor neste momento: o que deve permanecer em debate é a atitude do órgão superior de Justiça. O que surpreende é que, por enquanto, o único jornal a investir nessa discussão é o próprio Estadão.
Os outros jornais de circulação nacional, como a Folha de S.Paulo e o Globo, ainda não demonstraram o mesmo interesse no assunto – apenas um artigo e um editorial na Folhanesta terça.
Agora, lembre-se o leitor de como a imprensa, de modo geral, tratou a chamada Operação Satiagraha, que teve como objeto o banqueiro Daniel Dantas.
Quando a Justiça, em ações seguidas do então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, desautorizou o delegado federal responsável pela investigação, Protógenes Pinheiro de Queiroz, e o juiz que conduziu o processo em primeira instância, Fausto Martins De Sanctis, o envolvimento da imprensa foi total.
Destaque-se que, de modo geral, a imprensa se colocou contra o delegado, pintando-o como irresponsável e interessado em publicidade pessoal.
A atual decisão do STJ é muito relevante porque pode quebrar o ânimo de policiais e promotores de Justiça. E fora o Estadão, que segue esperneando, o quase silêncio dos outros jornais chega a ensurdecer.
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