Indignados: o que não sai nos jornais
As imagens das manifestações dos “indignados” voltam aos jornais nesta sexta-feira, dia 4. Na Folha de S.Paulo, é a principal fotografia da primeira página, tendo logo abaixo uma imagem dos estudantes que ocupam a reitoria da Universidade de São Paulo.
Não se pode acusar a Folha de estar forçando uma comparação entre os dois acontecimentos, mas não há muitas outras maneiras de ler essa escolha editorial, principalmente porque as duas fotos são unidas pela legenda: “protesto lá” e “protesto cá”.
Aos outros grandes jornais não ocorreu fazer essa correlação, mesmo porque não há uma ligação direta entre eles: os protestos que começaram com o movimento “Ocupe Wall Street” têm como objeto questionar o sistema econômico e exigir das autoridades o fim de privilégios para o capital especulativo.
Na USP, o que acontece é que um pequeno grupo de estudantes afiliados a tendências políticas sem contornos ideológicos definidos tenta pela força fazer retroceder uma decisão tomada democraticamente em assembléia.
Comparar os dois acontecimentos é tentar minimizar um dos fatos sociais mais importantes deste século – a revolta dos cidadãos nos países desenvolvidos contra os desvios do capitalismo.
No caso das manifestações globais, a imprensa não tem condições de fazer a cobertura mais ampla e noticia pontualmente os fatos conforme eles se tornam mais agudos.
Nesta sexta-feira, por exemplo, os acontecimentos e as imagens que chamam mais atenção ocorreram no porto de Oakland, Califórnia, onde houve depredações e uma ação violenta da polícia.
Os jornais brasileiros acompanham o noticiário das agências internacionais de notícias, mesmo porque não haveria como manter correspondentes ou enviados especiais a todos os lugares onde os cidadãos se concentram para manifestar sua indignação.
Ainda assim, mesmo com os protestos espalhados por um grande número de cidades – a imprensa cita entre 900 e mil cidades em uma centena de países – é possível identificar uma linha causal para essas manifestações.
É o mal-estar na globalização. Os cidadãos comuns, aqueles que precisam batalhar diariamente para manter seu bem-estar e assegurar uma vida digna para seus descendentes, percebem que boa parte de seus esforços é desviada para fazer o lucro de uma minoria de privilegiados.
Embora pareça um pouco genérica a afirmação, publicada pelos jornais, de que os “indignados” repudiam um sistema financeiro que, acreditam, beneficia principalmente as grandes corporações, é possível pintar um quadro bastante claro dessa percepção generalizada.
A culpa é dos gregos?
Quem acompanha os movimentos de protesto através das redes sociais tem acesso a muitos documentos que circulam entre as centenas de milhares de manifestantes e os milhões de cidadãos em todo o mundo que os apóiam.
Alguns desses textos, como o artigo da ativista política americana Naomi Wolf, publicado nesta sexta-feira pelo Estadão, são muito esclarecedores.
Uma das porta-vozes do “Ocupe Wall Street”, Naomi Wolf acusa os políticos americanos de se haverem desviado da democracia e afirma que as grandes doações de bancos como o JP Morgan a entidades policiais dos Estados Unidos têm estimulado as forças de segurança a aumentar a repressão contra os manifestantes.
A afirmação de que os protestos contra o sistema financeiro global são genéricos demais para serem definidos em material jornalístico não tem fundamento.
Na organização das manifestações há cientistas de várias especialidades, escritores e jornalistas habituados a análises complexas da economia e da política.
Eles fazem circular resumos de pesquisas sobre o estado do mundo que não se encontram nas páginas dos jornais.
Entre os documentos que circulam nas redes sociais destaca-se um estudo dos matemáticos James Glattfelder, Stefano Battiston e Stefania Vitali, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos (ver original em inglês http://arxiv.org/abs/1107.5728
Essa rede detém a maioria das ações das principais companhias do mundo, responsáveis por 60% das vendas na economia real de todo o mercado global.
Trata-se da primeira investigação sobre a arquitetura da rede internacional de donos do poder econômico, com a análise computacional da parcela de poder de cada um desses controladores.
O estudo mostra como a estrutura do chamado “mercado” afeta a competição global, provoca instabilidades e transforma governos em reféns.
Evidentemente, esse quadro não está nem estará presente nas páginas da imprensa tradicional.
Para os jornais, a culpa é dos gregos.