Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Liberada a marcha da maconha
>>As ruidosas ondas libertárias

Liberada a marcha da maconha

O tema é manchete no Estado de S.Paulo e no Globo e destaque também na primeira página da Folha de S.Paulo nesta quinta-feira, dia 16: o Supremo Tribunal Federal libera, por 8 votos a 0, a realização de manifestações públicas coletivas em favor da descriminalização do uso de drogas.

Chamada de Marcha da Maconha, a iniciativa já foi realizada em algumas cidades, mesmo sem autorização, e provocou choques entre policiais e manifestantes.

Liberada pela Justiça, promete arregimentar dezenas de milhares de jovens pelo país afora, com grandes possibilidades de se transformar na maior mobilização social já vista por aqui desde a campanha pelo impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello.

As primeiras passeatas deverão acontecer já neste sábado, na praia de Copacabana, no Rio, certamente com ampla cobertura da mídia.

Há muito que discutir em torno desse tema, inclusive o papel da imprensa.

Com toda certeza, em todos esses eventos haverá os abusados ou os que, desinformados, imaginam que o que o Supremo liberou foi o uso de maconha.

Não faltarão, portanto, oportunidades para conflitos com a polícia, se a polícia se sentir motivada a intervir.

Além disso, na ausência de um debate amplo sobre a questão das drogas, a tendência dos jornais é dar mais destaque aos que defendem a liberação.

Conte-se a favor disso o fato de que o sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se tornou, ao lado de outras personalidades da política internacional, um porta-voz da campanha.

Afinal, um ex-presidente da República que dedica a maior parte do seu tempo a defender o uso liberado de drogas é curiosidade que nenhum jornalista deixaria de lado.

Trata-se de jogo desigual: de um lado, os “modernos”, alinhados com a proposta de descriminalização das drogas; do outro, aqueles que, mesmo munidos de argumentos sólidos e amplo conhecimento do assunto, são chamados de conservadores e retrógrados porque fazem restrições à liberalização.

Enquanto isso, nos países onde a droga foi liberada, há dez anos os governos vêm fazendo esforços para reduzir os danos sociais do uso de maconha e impondo retrocessos na política liberal.

As ruidosas ondas libertárias

O material publicado até aqui pela imprensa brasileira não permite a formação de opiniões muito fundamentadas a respeito da proposta de descriminalizar o uso de maconha.

Ainda assim, os organizadores do movimento avançam na aposta, propondo que seja liberado também o cultivo doméstico da Cannabis Sativa.

Entre os argumentos alinhados se ouve, por exemplo, a apologia de supostos efeitos terapêuticos que nunca chegaram a ser comprovados.

Da mesma forma, tudo que se diz sobre o que poderia vir a ser, por exemplo, o ambiente nos pátios das escolas em caso de uso liberado da maconha, ou o que aconteceria com o mercado ilegal da droga, não passa de mero palpite.

O argumento de que as quadrilhas violentas que hoje dominam o tráfico seriam substituidas por pacíficos comerciantes legalizados, por exemplo, muito citado nesses debates, não passa no teste do detector de bobagens.

Ainda assim, é de se esperar que a imprensa brasileira siga dando publicidade ao tema e ajudando a arregimentar multidões para as manifestações.

Principalmente porque não faltam egos ansiosos por holofotes, seja qual for o assunto em pauta.

Os organizadores prometem transformá-las em grandes festas, com a participação de artistas populares que há muito fazem a apologia do uso de drogas.

Além disso, com a decisão do Supremo pode-se agregar ao propósito original um objetivo mais consistente, o da liberdade de expressão.

O outro lado, o daqueles que recomendam cautela no trato social de um tema tão complexo, não tem como oferecer tantos atrativos.
 
A reflexão profunda exige um ambiente menos ruidoso.

Talvez uma boa metáfora para a questão esteja no clássico “Metrópolis”, o filme de Fritz Lang produzido em 1928: revoltando-se contra as máquinas que os escravizam, os operários da cidade impiedosa provocam a inundação de suas próprias casas, colocando em risco as vidas de seus próprios filhos.

Em ondas supostamente libertárias nas quais sobram frases de efeito e faltam reflexões, muitas vezes as multidões acabam agindo contra seus próprios interesses.

Ou, quem sabe, somos na verdade uma Jamaica querendo parecer Suécia.