Mais um retrocesso
Os jornais desta quinta-feira, dia 30, noticiam que a comissão especial do Congresso aprovou a medida provisória que redefine o Código Florestal, com mudanças que beneficiam as grandes propriedades rurais.
A leitura dos textos induz a concluir que a pressão ininterrupta da bancada ruralista está surtindo efeito, no sentido de fazer retroceder a legislação e criar uma circunstância legal desfavorável à preservação do patrimônio ambiental.
Um dos principais retrocessos é a transferência, para os estados, da atribuição de definir quanto das margens de rios deve ser preservado ou recuperado.
O líder dessa proposta, senador Luiz Henrique, foi governador de Santa Catarina por dois mandatos, período em que se consolidou a destruição do que restava de Mata Atlântica no estado.
Segundo os jornais, foi dele a proposta de um novo texto, fora das regras regimentais, que criou um impasse na comissão e acabou sendo aprovado por conta da inflexibilidade dos parlamentares ruralistas.
Como resultado, a versão que vai a votação vai reduzir as exigências para recuperação de áreas desmatadas em beiras de rios, consideradas áreas de preservação permanente.
Outra mudança importante, obtida por pressão dos representantes do agronegócio no Congresso, foi a redução da proporção de terras a serem recuperadas no Cerrado amazônico.
Esse novo recuo, imposto por parlamentares de Mato Grosso e Tocantins, limita a obrigatoriedade da recomposição a 25% da terra, no caso de propriedades de porte médio.
Na versão anterior, toda a Amazônia Legal estava protegida com a recuperação obrigatória de áreas mais amplas, mas a regra passou a valer apenas para áreas de floresta.
Os ruralistas ainda tentaram um corte ainda mais radical, propondo acabar com qualquer proteção permanente de matas nas margens de rios intermitentes, que têm períodos de seca ao longo do ano, mas foram demovidos dessa intenção.
A medida provisória, que havia sido apresentada pelo Executivo, após muitas discussões que levaram em conta a opinião de ambientalistas e cientistas, deve ser votada na Câmara, na próxima semana, e aprovada pelo Senado em seguida, a tempo de respeitar o prazo de expiração, que vence em 8 de outubro.
Difícil entender
Uma olhada, ainda que rápida, no noticiário dos jornais sobre o assunto, desde 2010, mostra que o relatório básico que deu origem ao projeto de mudanças no Código Florestal foi elaborado por um deputado ruralista, Moacir Micheletto (falecido em janeiro deste ano), que propôs inicialmente que a preservação de trechos de reserva legal da Amazônia fosse reduzida de 80% para 25% da propriedade.
O relator apontado pela comissão mista que encaminhou a votação, senador Aldo Rebelo (PCdoB-SP), aderiu integralmente às propostas dos ruralistas, abrindo uma longa polêmica com representantes do movimento ambientalista e com pesquisadores ligados à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
A versão dada à Medida Provisória encaminhada pelo governo após as longas negociações acaba por fazer retroceder alguns pontos à intenção original dos produtores rurais.
Essa observação dos registros da imprensa permite constatar que o trabalho jornalístico, nesse tema, não consegue dar conta de todos os aspectos importantes, apesar da extrema relevância da questão para o futuro do Brasil.
O registro fragmentado das idas e vindas desses debates não oferece ao leitor comum, aquele que não construiu um conhecimento sólido sobre a questão ambiental, a possibilidade de formular uma opinião consistente.
Dessa forma, o processo legislativo segue seu curso à maré dos grupos de interesse, entre os quais o mais poderoso é claramente o dos ruralistas, que contam com uma estrutura mais organizada, muita verba e que, ainda por cima, dominam a maior parte da imprensa regional mais influente fora dos grandes centros urbanos do sul e sudeste.
A imprensa nacional tradicional, teoricamente mais alinhada com o pensamento contemporâneo em favor do equilíbrio na defesa do meio ambiente diante da necessidade de aumentar a produção agrícola, não dá mostras de se empenhar o bastante na defesa de uma legislação adequada.
Muito provavelmente, o texto que irá à votação a partir da próxima semana é ignorado pela maioria do público que ainda considera a mídia tradicional como fonte essencial de informação.
Mesmo para quem lê jornais todo dia, fica difícil entender o que é que o Congresso Nacional vai decidir sobre o futuro do patrimônio ambiental do Brasil.