Manobra diversionista
A crise do Judiciário seguiu sendo tema da imprensa no final de semana, sem sinais de notícias auspiciosas. Na maior parte dos casos, declarações de representantes da Justiça acabaram requentando a questão dos privilégios, as suspeitas de vendas de sentenças e de favorecimentos concedidos a si mesmos por dirigentes de tribunais.
O noticiário esquentou logo no sábado, por conta de discursos e entrevistas de magistrados durante reunião do Colégio Permanente dos Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil, realizado em Teresina, Piauí.
Numa clara demonstração da tensão que se instalou entre os desembargadores após a revelação de movimentações financeiras atípicas de juizes e funcionários de tribunais, alguns representantes da elite do Judiciário levantaram publicamente a duvidosa teoria segundo a qual as denúncias contra a elite da magistratura teriam como objetivo pressionar o Supremo Tribunal Federal no ano em que deverão ser julgados os acusados no chamado caso “mensalão”.
Aparentemente, nenhum dos principais jornais do país levou a sério tal suposição, que foi levantada pelo presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros e repetida por alguns de seus pares.
Ao extrapolar a crise do ambiente restrito do poder Judiciário para o Executivo e o Legislativo – porque a acusação é dirigida claramente para os denunciados no caso “mensalão”, que envolveu representantes do Congresso e ex-ministros – os desembargadores colheram apenas mais descrédito, a julgar pela sequência do noticiário.
Ainda no sábado, em entrevista à Folha de S.Paulo, o ministro Gilmar Mendes, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, disse que a crise no Judiciário tem origem diversa do que foi insinuado por seus colegas dos tribunais regionais: para Mendes, o problema está em setores da magistratura que confundem autonomia com soberania.
Considerado um dos responsáveis pelo estilo mais assertivo de atuação do Conselho Nacional de Justiça, que presidiu entre 2008 e 2010, Gilmar Mendes considera que o ambiente emocionalizado dificulta a análise dos problema do poder Judiciário.
Na sua opinião, os responsáveis pela crise são os dirigentes de entidades representativas do setor, que, segundo ele, foram tomadas por grupos corporativistas.
A rigor, disse o ministro, nunca houve quebra de sigilos na investigação do Conselho Nacional de Justiça no caso de pagamentos de grandes somas a juizes e funcionários em vários tribunais regionais.
Os computadores sumiram
A controvérsia esquentou também por conta de entrevista do presidente do Conselho Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça, o desembargador aposentado Marcus Faver, que comparou o Brasil atual com a situação da Itália nos anos 1980 e 90, com a infiltração de criminosos em órgãos do governo, que levou à criação da Operação Mãos Limpas.
No trecho mais forte da entrevista ao Globo, Faver comenta denúncias de venda de sentenças, dizendo que se trata de fato muito grave. Se um juiz for o autor desse crime, deve ser enforcado em praça pública, afirmou.
Durante palestra aos colegas desembargadores, Faver falou sobre seu encontro como juiz italiano Giovanni Falcone, que comandou a Operação Mãos Limpas na Itália e foi assassinado pela máfia.
Na sua opinião, todos os poderes, inclusive o Judiciário, estão contaminados pela ação do crime organizado no Brasil.
A reportagem do Estado de S.Paulo sobre a reunião dos presidentes de tribunais é um primor de ironia.
No trecho em que relata uma cerimônia de entrega de comendas, o repórter descreve “a liturgia das honrarias, insígnias e colares de mérito”, que repete a pompa e a circunstância das antigas cortes imperiais.
O festival de vaidades coroa a sucessão de declarações condenando o que aqueles magistrados consideram como afrontas ao Judiciário.
Na edição de domingo, dando repercussão a essas manifestações da elite dos tribunais, os jornais dão espaço para opiniões diversas, entre as quais se destaca a do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, para quem as manifestações feitas em Teresina não passam de “cortina de fumaça” para desviar o foco da discussão.
E o foco da discussão, segundo o noticiário, seguem sendo a revelação de que dirigentes de tribunais tomam decisões em favor de si mesmos e as movimentações atípicas de grandes somas de dinheiro por membros do Judiciário.
Para repor a questão em seus trilhos, a Folha de S.Paulo publica nova denúncia nesta segunda-feira, dia 30: milhares de computadores, impressoras e outros equipamentos doados pelo Conselho Nacional de Justiça, no valor de R$ 6,4 milhões, desapareceram de tribunais regionais.
A julgar pelo noticiário, o Brasil não precisa apenas de uma Operação Mãos Limpas: precisa de um banho de imersão.