O Brasil dá marcha-à-ré
O ouvinte e leitor questiona por que razão o Brasil sofre de vez em quando o impacto de retrocessos bruscos, “como um carro que, em alta velocidade, de repente dá marcha-à-ré”.
Ele cita o projeto do Código Florestal, claramente uma acelerada para trás justamente no momento histórico em que o país havia conseguido controlar as derrubadas na Amazônia e caminhava para um ponto de equilíbrio entre a necessidade de aumentar a produção agrícola e a defesa do patrimônio ambiental.
Cita também o caso “do túnel do tempo”, ou seja, a tentativa do presidente do Senado, José Sarney, de reescrever a história do país à sua maneira, eliminando de uma galeria de efemérides o impeachment do ex-presidente Fernando Collor.
Não seria complicado aumentar a lista de retrocessos, incluindo a protelação ao infinito da regulamentação sobre a propriedade dos meios de comunicação, o desmanche lento e inexorável, na prática, da legislação de controle de armas de fogo e muitas outras questões que eventualmente surpreendem aquela porção de brasileiros que sonham viver numa sociedade desenvolvida.
Mas nem tudo é atraso e recuo. O Brasil avança, apesar de tudo.
No entanto, há motivos de preocupação por parte daqueles que consideram que o crescimento econômico deve acompanhar o desenvolvimento equilibrado e sustentável da sociedade.
Este observatório cuida de analisar a imprensa, em suas relações com o poder, o mercado e outras potências, supostamente em benefício da vida civil. Nesse cenário, pode-se, por exemplo, questionar que papel a imprensa tem cumprido no sentido de dar suporte a iniciativas em favor do desenvolvimento sustentável.
O debate sobre mudanças no Código Florestal está no centro dessa questão, mas aí se inclui também o tema da extensão de direitos a todos os cidadãos, independentemente de orientação sexual, a necessidade de suprir hiatos de oportunidade impostos historicamente a grupos étnicos específicos, como no caso dos descendentes de escravos, ou a populações inteiras, como no caso dos nordestinos.
Melhor não entrar no assunto
Longe de esgotar o tema, uma resposta resumidíssima ao leitor e ouvinte angustiado com os retrocessos na caminhada brasileira rumo ao desenvolvimento deveria abordar o conservadorismo impregnado na alma da imprensa nacional.
Um conservadorismo que, para ser bem sucedido economicamente, precisa não parecer conservador.
Assim, os jornais podem carnavalizar a “parada gay” mas não se permitem discutir em profundidade os direitos civis dos homossexuais.
Apenas reproduzem opiniões de miltantes da causa gay ou de seus oponentes, os profissionais da religião, as quais eventualmente pecam por equívocos primários, como a confusão entre sexualidade e genitalidade.
Da mesma forma, a imprensa defende formalmente a igualdade de oportunidades, mas comumente discorda de políticas de compensação por perdas históricas para os descendentes de escravos ou para habitantes das regiões do país tradicionalmente relegadas à miséria.
A causa dessa contradição pode estar nas origens da imprensa brasileira, nascida e longamente amamentada na intimidade do poder.
Tome-se qualquer momento histórico e se irá observar que, diante de qualquer grande desafio que o Brasil tenha enfrentado, a primeira escolha da imprensa, como instituição quase monolítica, terá sido a mais cautelosa.
Mais adiante, eventualmente constatada uma tendência progressista da sociedade, a orientação editorial pode mudar, mas em princípio, a imprensa funciona mais como freio do que como tração para os movimentos de avanço da sociedade.
É certo que em determinados períodos a imprensa soube saudar a modernidade, como nos chamados “trinta anos gloriosos”, entre o pós-guerra e os anos 70 do século passado, mas tratou sempre de festejar o futuro sem deixar de se agarrar às tradições conservadoras.
No caso citado pelo leitor e ouvinte, em que a Câmara dos Deputados opta por empurrar o Brasil para trás na questão ambiental, a imprensa formalmente defende uma legislação capaz de proteger as florestas sem impedir o desenvolvimento da agricultura.
No entanto, são raros os registros de iniciativa das redações no sentido de discutir as raizes do conflito entre a banda predadora do agronegócio e o movimento ambientalista.
Para entrar fundamente na questão, a imprensa precisaria colocar em debate aberto o tema da posse da terra, onde teria que incluir a função social da propriedade, os direitos das comunidades tradicionais, a gestão territorial e outros assuntos que poderiam conduzir a questionamentos sobre o sistema econômico e social como um todo.
Vai que, numa dessas, corre-se o risco de colocar em discussão pública a propriedade dos meios de comunicação?