O Brasil sem educação
O erro constatado em um conjunto de planilhas da Pesquisa Nacional
por Amostragem de Domicílios (Pnad), com os números de 2013,
divulgados na quinta-feira (18/9) pelo IBGE, foi pouco explorado pela
imprensa no final de semana.
Na verdade, os dados produziram um curioso editorial no jornal O
Estado de S. Paulo, que reconhece nesta segunda-feira (22/9) uma
melhora gradual nas condições de vida do brasileiro nos últimos anos
e contradiz as manchetes negativas publicadas na sexta-feira sobre o
mesmo assunto.
A correção de informações sobre o índice de Gini, que mede a
desigualdade de renda domiciliar, elimina o argumento usado pela mídia
tradicional para desqualificar a política econômica e os projetos sociais
do governo.
Com os números corretos, a imprensa se vê obrigada a voltar atrás e
afirmar, ainda que de forma dissimulada, que "vive-se melhor no Brasil",
como diz o editorial do Estado.
Evidentemente, como não podia deixar de ser, a mídia observa que
ainda há muito a fazer, principalmente no que se refere ao resgate das
populações que ainda vivem em condições degradantes.
O erro cometido por técnicos do IBGE será apurado em cerca de trinta
dias, segundo anunciam os jornais.
Mais interessante do que isso, porém, é constatar como a imprensa,
em peso, recebeu e digeriu gostosamente os indicadores errados,
aproveitando-os para criticar a política econômica e social, sem
perceber que havia ali uma contradição importante.
A incongruência dos dados sobre desigualdade era evidente, como
destacou este observador na sexta-feira (ver aqui).
Nas estatísticas complexas, que medem fatores diversificados, é preciso
ler as relações cruzadas e analisar as tendências, ou seja, leva-se em
conta a direção que os fatos tomam em determinado período, no seu
conjunto e em questões específicas.
Por exemplo, no caso da renda média do trabalho é importante
considerar não apenas o valor dos salários formais, mas também a
receita do trabalho informal e a redução da mão de obra infantil.
O que a imprensa fez, diante da pesquisa do IBGE, foi garimpar
os dados negativos e publicá-los com destaque, sem considerar o
emaranhado de relações entre os fatores retratados e o contexto geral
de evolução do quadro social.
Ignorância e preconceito
Há um aspecto importante no qual os jornais acertaram, mesmo levando
em conta a correção do erro nas planilhas do índice de Gini: o principal
desafio do Brasil é melhorar a qualidade da educação.
No entanto, o debate proposto pela mídia tradicional vai na direção
errada: nossa tragédia não é apenas a baixa qualidade do ensino
oferecido pelo sistema escolar oficial – o problema é o analfabetismo
funcional de grande parte da sociedade, incluída a própria imprensa e
seus leitores típicos, que compõem a elite social e econômica do País.
Assim como um aluno da escola pública da periferia tem grande
dificuldade para elaborar um texto compreensível ou para compreender
um texto de relativa complexidade, boa parte dos brasileiros com muitos
anos de escolaridade sofre de um grave bloqueio na hora de ler a
realidade nacional.
Entre esses analfabetos funcionais pode-se alinhar um enorme
contingente de jornalistas, muitos deles assentados em cargos de
responsabilidade nas redações ou agraciados com espaços generosos
nos principais meios de comunicação.
O típico estudante da periferia tem dificuldade para compreender um
texto de geografia, tanto quanto um assinante de jornal tem dificuldade
para fazer a leitura crítica do texto jornalístico.
As duas deficiências têm origens diferentes, mas produzem um
fenômeno comum de má educação: o analfabeto funcional que não sabe
interpretar um texto e uma elite que se nega a conhecer a realidade.
Num caso, falta vocabulário; no outro, sobram preconceitos.
A mídia tradicional deseduca um e outro com sua pauta de futilidades,
seu conservadorismo e seu viés reacionário.
A educação precisa ser vista como uma das funções da comunicação.
Trata-se de capacitar os indivíduos para que construam um pensamento
da realidade o mais próximo possível da natureza da realidade.
Nesse sentido, deve-se fazer com que a tarefa de educar seja ampliada
do ambiente escolar para toda a sociedade, e a imprensa deveria ter um
papel fundamental nessa missão.
Mas e imprensa não pode educar se ela não tem educação.