O circo está armado
Os jornais desta terça-feira, dia 21, anunciam o início da campanha eleitoral no rádio e na TV.
Na maior parte dos casos, já se apresentam projeções sobre o efeito das massivas aparições dos candidatos nos meios eletrônicos.
Na análise da imprensa paulista, a atual configuração das intenções de voto deve mudar radicalmente de acordo com a distribuição dos tempos de exibição da propaganda, o que tem se revelado verdadeiro em campanhas anteriores.
No entanto, falta uma avaliação sobre o papel da mídia tradicional na interpretação dos fatos e factoides levados ao ar pelos marqueteiros dos candidatos.
De modo geral, a cobertura das campanhas tem dado maior importância aos dados quantitativos referentes às possibilidades de cada candidato e suas posições relativas ao longo do período pré-eleitoral.
Em eleições anteriores, ganharam maior destaque nos jornais os avanços e recuos de cada candidato, com avaliações estatísticas periódicas para mostrar eventuais mudanças de tendências do eleitorado.
Nesse processo, vai se formando um campo privilegiado no qual cabem apenas os competidores das grandes alianças formadas em torno dos dois blocos partidários hegemônicos no cenário nacional.
Nas eleições municipais deste ano em algumas cidades importantes, esse processo pode colocar a imprensa como fator decisivo na escolha daqueles que vão para a disputa do segundo turno.
Em São Paulo, por exemplo, os principais jornais consideram que a campanha só começa agora, e que a vantagem do candidato Celso Russomano, atual líder nas pesquisas, vai se desvanecer rapidamente por causa da diferença que o separa dos representantes dos partidos majoritários – PSDB e PT – na disponibilidade de tempo na televisão.
No total, Russomano vai contar com 38 minutos a menos do que José Serra, da aliança liderada pelo PSDB, e Fernando Haddad, da aliança liderada pelo PT.
Ele conta com o quarto maior tempo entre todos os candidatos, o que representa, segundo os jornais, uma desvantagem definidora que, desde já, o condena à derrota.
Candidato descartado
Mas há outros elementos a serem considerados.
Um deles é o fato de que Russomano tem presença costumeira na televisão há mais de vinte anos, por sua atividade profissional.
Aliás, sua carreira política começou com um controverso programa de TV no qual ele documentou a morte de sua própria mulher, na fila de atendimento de um hospital público.
O episódio, nunca devidamente investigado, sugere que Russomano, que na ocasião apresentava um programa de variedades de menor audiência e já era filiado ao antigo PFL, preferiu fazer a reportagem a procurar outro recurso para salvar a vida da mulher.
Depois disso, explorou exaustivamente a tragédia em benefício próprio, apresentando-se como paladino da defesa do consumidor, reelegendo-se seguidamente deputado federal e tentando se tornar governador do Estado de São Paulo.
Sua estratégia revela claramente que esse será seu principal mote de campanha: destacar suas ruidosas ações de denúncia contra hospitais e pequenos comerciantes e apelar para a relação familiar como âncora para relembrar a tragédia que deu início à sua carreira política.
Ele tem presença constante nas mídias sociais digitais, com uma clara orientação de atuação agressiva para seus correligionários.
Trata-se, portanto, de um candidato que, mesmo tendo pouco mais de dois minutos por dia de televisão, contra quase oito minutos, cada um, para Serra e Haddad, conta com outros recursos que os analistas dos jornais não parecem estar levando em conta.
Um desses recursos é a ausência de compromissos de tipo ideológico diante da possibilidade de explorar temas de grande repercussão que nada têm a ver com uma disputa municipal, como questões religiosas.
Portanto, há várias indicações de que teremos uma campanha ainda mais ruidosa do que as anteriores, no sentido em que as questões que deveriam interessar ao eleitor, como os gigantescos problemas da cidade e a urgência de um plano urbanístico para ser levado a sério, serão abafadas por factoides e querelas.
Todos sabem que, de fato, o tempo de televisão acaba sendo determinante na reta final da campanha, quando as opiniões começam a amadurecer.
No entanto, apesar de claramente ter perdido força de influência sobre a sociedade, a imprensa tradicional ainda cumpre um papel relevante ao referendar ou desprezar elementos da agenda pública.
O circo está armado, mas a pantomima só é levada a sério quando sai no jornal.