O eleitor, esse desconhecido
O resultado do primeiro turno em São Paulo reforça a tese de que eleição não é para amadores. Não basta tem um rosto conhecido e repetir bordões inventados por marqueteiros para consolidar uma marca pessoal: é preciso muito tempo de televisão, o que só se obtém com uma estrutura partidária forte, em condições de negociar favores consistentes para os aliados, um programa que faça algum sentido e muitos profissionais capazes de fazer mudanças acertadas conforme a evolução da disputa.
Em alguns casos, também é preciso saber se esquivar das armadilhas que a imprensa lança no caminho.
Faltou tudo isso ao candidato Celso Russomanno, que ganhou a liderança no início da campanha mas perdeu o fôlego a menos de uma semana do final, e não conseguiu nem mesmo eleger seus irmãos à Câmara Municipal.
Visto agora como derrotado, é fácil para a maioria dos analistas – inclusive este – explicar por que ele não suportou a maratona.
Pode-se dizer, por exemplo, que sua candidatura nunca passou de uma aventura bancada por um partido nanico que tentou voar mais alto do que lhe permitem suas asas.
Pode-se dizer também que seus conselheiros, formados na malandragem da política mais rasteira, nunca tiveram a qualificação necessária para enfrentar os profissionais a serviço de seus adversários.
Mas é preciso observar também que Russomanno começou a perder sustentação quando a imprensa, que havia lhe dado uma ampla cobertura até o final de agosto, passou a explorar suas relações com grupos religiosos e a fragilidade de sua equipe de planejamento.
Também é preciso levar em conta o efeito das pesquisas de opinião, que costumam influenciar eleitores indecisos na reta final da disputa.
Nesse sentido, convém observar que nesta segunda-feira, dia 7, a Folha de S. Paulo não se refere às previsões publicadas no dia da votação, quando o Datafolha apostava num segundo turno entre José Serra e Celso Russomanno.
E como pano de fundo, fica a evidência de que tanto a imprensa quanto os marqueteiros precisam se esforçar mais para buscar entender os processos de decisão da nova classe média, que deu e tirou a breve esperança de Russomanno e que vai decidir o segundo turno.
De olho nos emergentes
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já aparece nos jornais, propondo que seu partido, o PSDB, procure se aproximar do segmento da população que emergiu economicamente e que, na sua opinião, continua sem representatividade política.
Na verdade, a chamada nova classe média ainda é um mistério para a maioria dos analistas e uma surpresa para quem tenta entender suas escolhas com base no que se conhece das sociedades caracterizadas por um acentuado corte nas divisões de renda.
O grande número de mulheres que trabalham fora e de jovens que frequentam universidades ou cursos técnicos é apenas uma característica dessa nova demografia do Brasil. Mas apenas esses dois fenômenos já são suficientes para produzir mudanças importantes nas relações familiares e comunitárias.
Alguns estudos recentes baseados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios revelam que a classe de renda que é majoritária na população brasileira não age impulsivamente, como pensam muitos, não consome desvairadamente e não se impressiona facilmente pela propaganda.
A curiosa figura do vendedor de tabloides, por exemplo, é um fenômeno recente que representa como essa população necessita de informações para a vida prática.
Trata-se de pequenos empreendedores que coletam os panfletos de promoções que são distribuídos pelas grandes redes de comércio e encartados nos jornais.
Esses encartes são juntados em cadernos e vendidos a R$ 1 real na periferia de São Paulo e, com isso em mãos, as donas de casa costumam pechinchar preços de gêneros de primeira necessidade, obtendo grandes descontos.
Transferindo esse comportamento para essas mesmas pessoas no papel de eleitores, pode-se adivinhar que elas tomarão decisões mais pragmáticas também diante das urnas.
Essa característica pode relacionar a queda de Russomanno ao momento em que seus adversários passaram a questionar seu plano de transporte coletivo, que poderia aumentar o custo para quem mora mais longe.
A disputa do segundo turno vai exigir um aprendizado importante para os estrategistas de campanha.
Os cidadãos que ocupam a ampla faixa intermediária de renda estão preocupados em consolidar sua nova condição social, têm muito a perder com políticas públicas desastrosas, sentem-se orgulhosos de haver conquistado seu novo status e parecem menos sensíveis a apelos emocionais.