O paradoxo tecnológico
A Associação Internacional de Marketing da Indústria de Notícias iniciou em São Paulo, na quinta-feira, seu seminário internacional de dois dias, no qual seriam apresentados os casos mais inovadores de gestão do negócio de mídia na área de jornalismo.
O encontro marcou mais uma tentativa das empresas tradicionais de mídia de definir seu futuro diante do desafio de transformar radicalmente o modelo de negócio baseado em publicidade e assinaturas.
No entanto, o evento não pareceu entusiasmar a própria imprensa, a julgar pelo minúsculo espaço dedicado a ele nas edições desta sexta-feira, dia 19.
Em todo caso, as principais palestras revelaram algumas novidades e um grande paradoxo.
As novidades vieram da Escandinávia, com a apresentação do grupo norueguês Schibsted, que controla uma rede de jornais regionais de papel e digitais em vários países, e do grupo Sanoma, da Finlândia, que opera em quase toda a Europa, com diários, sites, revistas, rádio e televisão e uma rede de educação atuante em sete países.
O que esses dois casos têm em comum é que ambos assumiram integralmente um conceito de negócio que não tem mais como núcleo a função jornalística tradicional: em ambos os casos, a produção e distribuição de notícias se faz como parte de múltiplas atividades de serviços baseados em relacionamento.
O produto jornalístico passa a se considerado um elemento importante, mas não exclusivo, para adicionar valor aos serviços em rede.
O que há em comum nessas duas organizações é que elas assumiram integralmente as características de empresas multiplataformas, nas quais a tecnologia define o negócio.
O paradoxo está em que, aparentemente, a única saída das empresas tradicionais de comunicação implica em transformar o chamado core business, ou seja, mudar a própria natureza do seu negócio.
Diante do derretimento do conceito de mídia, uma das consequências do avanço das tecnologias digitais de comunicação e informação, diminui a relevância social das marcas tradicionais cujo papel central sempre foi o de filtrar, selecionar e distribuir notícias: o próprio conceito de notícia era definido pela atividade jornalística mediadora.
O mito da objetividade
Com a aceleração dos processos tecnológicos que possibilitam a comunicação direta de empresas com seus públicos e dos indivíduos entre si (que os profissionais do setor chamam de comunicação peer-to-peer), essa tarefa de mediação tende a se diluir.
Essa característica da evolução dos meios digitais já havia sido antecipada, em 1995, pelo engenheiro brasileiro Jean Paul Jacobs, pesquisador da IBM e professor da Universidade da Califórnia em Berkeley.
Ele afirmava, na época, que uma das principais consequências do desenvolvimento da internet seria a aceleração de um processo de desintermediação das relações sociais e institucionais.
Os jornais tiveram, portanto, uma década inteira para se preparar para a revolução produzida pela Web 2.0, com os tablets, os smartphones e as redes sociais digitais.
O olho do furacão desse paradoxo que desafia as empresas tradicionais está no fato de que elas tiram sua justificativa social justamente do papel da mediação.
E essa mediação sempre teve o valor reconhecido por causa da presunção de certa objetividade nas escolhas dos jornalistas a serviço das marcas tradicionais da imprensa.
Mas, como lembrava a pesquisadora Dulcília Schroeder Buitoni, em artigo publicado no ano passado na revista acadêmica Líbero, no fazer cotidiano dos jornalistas não há realmente essa objetividade, mas “o mito da objetividade”.
E as escolhas da imprensa tradicional no Brasil não tem contribuído, nos últimos anos, para dar verossimilhança a esse mito.
Quem compra os pacotes de informações organizados como notícias pensa estar adquirindo uma interpretação objetiva dos fatos, com a suposição de que esse conjunto de conhecimento ajudará a formular opiniões e tomar decisões.
Mas se, confrontado com a imensidão de informações disponíveis nas redes digitais, esse conteúdo perde credibilidade, rompe-se o tecido no coração do sistema.
A adoção de sistemas de edição multiplataformas, em modelos de negócio que assumem o papel de facilitadores de relacionamento nessas redes, pode parecer um risco imenso pelo fato de produzir uma dessacralização da atividade jornalística, mas até aqui parece ser a melhor – se não a única – solução para o futuro da mídia.