Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>O resgate do CNJ
>>A “matrix” do crime financeiro

O resgate do CNJ

Está mantido o princípio do controle externo do Judiciário e reforçado o conceito de transparência no julgamento de questões disciplinares envolvendo juizes.

Em duas votações realizadas na quinta-feira e relatadas pelos jornais nesta sexta, dia 3, o Supremo Tribunal Federal restabeleceu os poderes do Conselho Nacional de Justiça para investigar magistrados, independentemente da ação das corregedorias locais, e definiu que julgamentos de juizes devem ser realizados em sessões públicas.

Nos dois casos, entidades representativas da magistratura que se rebelavam contra a ação do CNJ pretenderam fazer retroceder a legislação e impor, na prática, condições privilegiadas para os integrantes do poder Judiciário.

Nessa queda de braço entre as associações corporativistas e a corregedoria nacional ainda há um processo importante a ser considerado pelo STF. Trta-se do caso em que a Associação dos Magistrados Brasileiros acusa a corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, de haver quebrado o sigilo bancário e fiscal de juizes e funcionários de tribunais e seus familiares.

Essa ação mereceu uma liminar favorável, por parte do ministro Ricardo Lewandowski, concedida no apagar das luzes do ano judiciário, às 21 horas do dia 19 de dezembro de 2011, conforme lembra a Folha de S.Paulo.

O ministro mandou suspender todas as ações conduzidas pelo CNJ.

Nesse período, o noticiário dos principais jornais de circulação nacional informou que não houve a alegada quebra de sigilo fiscal na investigação promovida pelo Conselho Nacional de Justiça, uma vez que as movimentações suspeitas de dinheiro que a motivaram nunca chegaram a ser individualizadas.

Nesta sexta-feira, o Estado de S.Paulo e o Globo destacam o fato de que foi identificado o servidor do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro apontado como tendo movimentado a quantia de R$ 282,9 milhões no ano 2002.

Trata-se de Rogério Figueiredo Vieira, doleiro que já havia sido preso por lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro.

Também foi identificado o responsável por sua contratação, o ex-presidente do TRT do Rio José Maria de Mello Porto, que foi assassinado em 2006.

O caso tem ingredientes que justificam a frase da corregedora Eliana Calmon sobre as atividades de “bandidos de toga”.

A “matrix” do crime financeiro

O funcionário em questão é figura notória no noticiário policial de alto coturno: depois de contratado pelo TRT-Rio, ele chegou a ser emprestado ao gabinete do então deputado Bispo Rodrigues (ex-lider do PL), em Brasília, e acabou envolvido no escândalo chamado de “mensalão”.

No período em que atuou no Tribunal, chegou a ocupar os cargos de coordenador de Despesas e integrou a Comissão de Licitação, quando foi responsável pelas 16 movimentações financeiras, no total de R$ 282,9 milhões, que foram detectadas pelo Coaf – Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda.

Em 2004, ele foi preso em operação policial que envolveu também dois ex-secretários do governo de Jaime Lerner no Paraná, por conta de desvios na Copel, a companhia paranaense de eletricidade.

O esquema de movimentação do dinheiro supostamente desviado da Copel incluiu, segundo o relato dos jornais, uma passagem pelo caixa da empresa Embracon, administradora de consórcios, e envolveu ainda a Adifea, empresa de consultoria ligada à Universidade de São Paulo.

O dono da Embracon chegou a ser condenado em 2009 a seis anos e oito meses de prisão em regime semi-aberto, mas Rogério Figueiredo Vieira nunca recebeu qualquer condenação criminal ou processo administrativo que motivasse a perda do cargo – e segue trabalhando no Tribunal Regional do Trabalho do Rio, lotado na Seção de Protocolo Integrado.

Esses episódios guardam relação muito estreita com o caso Banestado, considerado pela Polícia Federal a “matrix” do crime financeiro e da corrupção no Brasil.

O grande barulho provocado pelas entidades corporativistas que defendem o interesse particular dos juizes brasileiros levou a cúpula do Poder Judiciário à beira de uma crise sem retorno, colocando sob risco uma das principais conquistas da democracia brasileira: o controle externo dos poderes da República.

Aparentemente, esse episódio está superado com a reafirmação das atribuições do Conselho Nacional de Justiça.

No varejo do noticiário, os jornais registram a vitória pessoal da corregedora Eliana Calmon sobre seu oponente mais visível, o presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça, Cezar Peluso, que em determinado momento da controvérsia se apresentou como anteparo dos interesses corporativos dos juizes.

Mas essa é uma querela sem maior importância. Essencial mesmo é a imprensa seguir acompanhando a apuração das irregularidades que levaram à disputa na Corte Suprema.

O Brasil não poderá dizer que combate a sério a corrupção e os crimes financeiros se não der uma solução para o caso Banestado.