O xisto da questão
Os jornais vêm tratando, nos últimos dias, da decisão do governo norte-americano de estimular a extração do gás de xisto, encontrado em vários tipos de rochas laminadas, e que pode substituir em parte a produção de petróleo.
A estratégia dos Estados Unidos é tratada pela imprensa nacional como uma novidade revolucionária e é divulgada pouco depois de a Agência Nacional de Petróleo ter aprovado estudos semelhantes e anunciar leilões para exploração dessa fonte de energia em pelo menos cinco estados brasileiros.
O assunto ganha espaço e já se define a tendência opinativa dos principais jornais: para a imprensa nacional, os americanos são mais espertos por saberem explorar sua diversidade de fontes de energia e o Brasil teria errado ao apostar no petróleo do pré-sal.
O noticiário não se aprofunda na questão do risco ambiental representado pela extração e tratamento do xisto, trabalha o assunto superficialmente e despreza outras aspectos relativos a essa matéria-prima, como sua aplicação na indústria de insumos agrícolas.
Um exemplo: parceria da Petrobras com a Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – desenvolve há alguns anos no Paraná subprodutos do xisto para aplicação como fertilizante.
O xisto é explorado no Brasil desde meados de 1950, a refinaria instalada no Paraná funciona desde 1972, e em 1991 a Petrobras anunciou a obtenção de tecnologia própria para tratamento das rochas betuminosas.
O Brasil possui, no território coberto pelos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, uma das maiores reservas do mundo.
A tecnologia brasileira de extração e refino para produção de óleo, gás, nafta, enxofre e outros derivados produziu algumas patentes importantes e não fica a dever aos métodos usados nos Estados Unidos.
A diferença de preços entre a tecnologia usada pelos americanos e a produção brasileira se deve basicamente a uma questão de mercado: como o governo dos Estados Unidos decidiu usar estrategicamente o xisto para reduzir sua dependência de fornecedores externos, esse produto passou a representar mais de 20% da produção de gás daquele país, criando-se uma expectativa de queda no preço do insumo usado em muitas indústrias, pelo aumento da oferta.
Não se trata, como dizem os jornais, de uma "revolução energética" – na verdade, é a reocupação de um setor que ficou em segundo plano enquanto havia fartura de petróleo a custo competitivo.
Legítimo orgulho americano
O noticiário e o opiniário dos jornais brasileiros sobre o assunto têm alguns problemas a serem analisados.
O primeiro deles é o afloramento do velho complexo de vira-latas: tudo que se faz nos Estados Unidos é melhor do que qualquer coisa que seja tentada pelos tupiniquins.
Aliás, a imprensa adora chamar os brasileiros de tupiniquins, com sentido pejorativo.
O segundo aspecto a ser observado é a falta de informações precisas sobre o tema: há, evidentemente, uma mudança no mercado pela crescente oferta do gás americano a preços reduzidos, mas os jornais não informam o tamanho desse impacto.
Também faltam informações técnicas, como, por exemplo, o tempo necessário para o aumento da produção brasileira de xisto e ampliação da capacidade de refino em território nacional.
Há um terceiro aspecto, relacionado à conveniência de os Estados Unidos mandarem um recado a determinados fornecedores de petróleo e gás, como a Rússia, que usam a dependência americana para criar obstáculos aos interesses dos Estados Unidos no campo político.
Por outro lado, resta ainda a ser discutida a questão ambiental, que a imprensa brasileira deixou em segundo plano.
Aliás, a Petrobrás acaba de fazer a segunda maior emissão no mercado global de títulos corporativos neste ano, captando US$ 11 bilhões em investimento, e a imprensa não explora a contradição entre esse êxito e a suposta desvantagem em relação ao xisto americano.
Por trás da questão, ainda está para ser discutida a perspectiva real das fontes não renováveis. Afinal, quanto tempo vão durar as reservas mundiais?
Curiosamente, a melhor reportagem sobre as chances do Brasil no mercado de subprodutos do xisto não saiu em nenhum jornal brasileiro: foi publicada no site da agência alemã Deutsche Welle na segunda-feira (13/05) e afirma que o Brasil pode se tornar o 10o. maior produtor mundial do gás.
A reportagem da agência alemã não adota a expressão "revolução tecnológica" citada com legítimo orgulho americano pela imprensa brasileira, explicando que os Estados Unidos vêm investindo mais na exploração do xisto desde 2005.
O texto também cita os riscos ambientais e explica de maneira simples as diferenças nos processos de extração.
Tudo isso em português, de graça e sem ganidos de vira-latas.