Polícia e política na “cracolândia”
A operação da polícia na região central da capital paulista, mais especificamente na área conhecida como “cracolândia”, iniciada nos primeiros dias do ano, pode evoluir para uma crise institucional com fortes temperos políticos.
A grande visibilidade que o acontecimento ganhou na imprensa certamente haverá de inspirar os planejadores de campanhas eleitorais, com vistas à eleição para a prefeitura, que começa em poucos meses.
Esse pode ser um dos motivos pelos quais o governo do Estado vetou o uso de bombas de efeito moral e balas de borracha para dispersar usuários de droga que vagueiam dia e noite pelas ruas do centro de São Paulo.
Os jornais já informaram que a ação foi precipitada por um oficial da Polícia Militar, com a justificativa de que o começo de janeiro, com menos trânsito de carros e pessoas pelo centro da cidade, seria a melhor ocasião para tentar desmanchar a concentração de viciados e traficantes que há muitos anos contribui para deteriorar o ambiente urbano.
Segundo a imprensa, havia um plano, coordenado por autoridades federais, para ser colocado em prática em São Paulo e outras cidades, com a atuação conjunta de profissionais de saúde e assistentes sociais, com apoio da polícia, para prender traficantes e isolar os viciados – tirando das ruas os menores de dezoito anos, mulheres grávidas e aqueles incapacitados pela droga, conduzindo-os a centros de recuperação.
Mas a operação foi deflagrada antes da hora, sem que estivesse pronta a unidade de atendimento anunciada pelo governo do Estado, e agora o Ministério Público abre inquérito para apurar as responsabilidades.
Nesta quarta-feira, dia 11, os jornais reproduzem declarações dos promotores responsáveis pelo inquérito civil que tem como objeto as medidas adodatas pelo Estado e a Prefeitura na “cracolândia” – no mínimo, os representantes do Ministério Público consideram “precipitada” e “aparentemente desastrosa” a ação da Polícia Militar.
Nas entrelinhas, é possível ler certa intenção das autoridades estaduais e municipais de se descolar de uma ação de abrangência nacional.
Segundo o Estadão, no Rio de Janeiro, onde o governador é mais afinado com o governo federal, uma ação conjunta entre os setores de inteligência da polícia civil e da Polícia Federal resultou no recolhimento de 3.195 viciados das ruas, entre os quais 475 crianças ou adolescentes. Até agora, 104 pessoas foram obrigadas a se internar.
Sem bombas de gás ou balas de borracha.
Manual de direitos civis
A Folha de S.Paulo noticia que, depois das cenas fortes protagonizadas pela Polícia Militar na “cracolândia”, o governo paulista também vetou o uso desses equipamentos para dissolver os grupos de viciados e mantê-los em movimento.
O secretário da Segurança Pública, que nos dias anteriores era citado como uma das autoridades que haviam sido surpreendidas pela operação policial, vem a público tentar desfazer a impressão de falta de coordenação em sua área, afirmando que a ação foi precedida de várias reuniões e que seu início estava marcado para o dia 3 de janeiro.
No entanto, a reportagem da Folha havia constatado, no sábado, dia 7, que a deflagração da operação foi decidida exclusivamente pela Polícia Militar, sem a participação de órgãos de assistência social da cidade.
De qualquer maneira, a imprensa registra alguns resultados imediatos: segundo o jornal paulista, a internação de dependentes na “cracolândia” cresceu 68% nos dois primeiros dias desta semana.
Com todas as críticas cabíveis ao risco de colocar a polícia para tratar de problemas sociais e de saúde pública, uma das dúvidas levantadas por especialistas é sobre a efetividade das internações provocadas por medo e coação. Segundo especialistas citados pela Folha, usuários de crack são doentes crônicos que precisam ser acompanhados pelo resto da vida.
Além disso, eles tendem a um comportamento passivo, reagindo com agressividade somente quando em estado de abstinência.
Essa foi uma das razões para a suspensão do uso de balas de borracha e bombas de efeito moral – geralmente debilitados, os viciados não têm estrutura física para se contrapor aos policiais.
A questão do modus operandi da Polícia Militar é bastante explorada pela Folha de S.Paulo.
Embora o jornal não faça referência, quando se fala no despreparo da PM para lidar com certos públicos, não há como ignorar o episódio ocorrido na Universidade de São Paulo, onde um policial agrediu um estudante negro na segunda-feira, dia 9.
O jornal complementa o noticiário com um quadro explicando as regras oficiais para abordagem e revista de cidadãos por parte de policiais.
Por exemplo, as revistas só podem ser feitas quando houver “fundada suspeita” de um delito e a polícia não pode submeter a pessoa a nenhum tipo de constrangimento.
Trata-se de um pequeno manual que todos deveriam levar no bolso, para se defender dos abusos tão comuns na rotina da polícia.