Quando o criminoso acusa
O Estado de S. Paulo noticia com destaque nesta terça-feira, dia 28, uma tentativa de coação praticada pelo ex-deputado federal e ex-coronel da Polícia Militar do Acre Hildebrando Paschoal contra autoridades judiciárias do Estado, exigindo dinheiro e fazendo ameaças.
Hildebrando está preso há doze anos e condenado a mais de 110 anos de prisão por haver torturado e assassinado um desafeto de seus familiares.
Ele exibe em sua ficha criminal os crimes de homicídio, compra de votos, tráfico de drogas e formação de quadrilha – que envolveria outros membros de sua numerosa família.
Essa carta é tema de comentários entre jornalistas acrianos desde o final do ano passado, e vinha provocando controvérsias no pequeno grupo que conhecia seu teor.
Uma das questões se refere a supostas denúncias que o criminoso estaria disposto a fazer se não recebesse ajuda financeira das pessoas a quem ameaça.
As cartas foram dirigidas à desembargadora Eva Evangelista, do Tribunal de Justiça do Acre, e à procuradora de Justiça Vanda Milani Nogueira, que o ex-deputado considera responsáveis por sua condenação e pela perda da patente de coronel e dos vencimentos correspondentes.
A procuradora teve papel importante em sua condenação. Segundo o jornal, ele a acusa de haver impedido um suposto acordo com juiz que o condenaria, intermediado pelo então governador do Acre Orleir Cameli, quando era acusado de chefiar um esquadrão da morte na Polícia Militar.
A desembargadora Eva Evangelista foi a juíza-revisora do processo de cassação da patente, que transitou em julgado e se efetivou no final do ano passado.
O corte dos vencimentos é ponto central nas cartas que contém as ameaças, nas quais ele exige o pagamento de R$ 6 mil como condição para omitir supostas denúncias contra a magistrada e a procuradora.
Uma das questões que se discutiam em Rio Branco no final do ano passado era a gravidade do risco que representa para as autoridades ameaçadas a capacidade de articulação de um dos criminosos mais perigosos já condenados no estado.
Ele ainda tem influência sobre a Polícia Militar e conseguiu contrabandear a correspondência para fora de um presídio de segurança máxima e postá-la em uma agência dos correios.
A credibilidade da fonte
Outra questão em pauta é a postura da imprensa diante de um episódio no qual um criminoso de alta periculosidade, cujas ações revelam uma personalidade vingativa e sem limites, faz acusações contra autoridades que o colocaram na cadeia e retiraram seus privilégios de oficial da Polícia Militar.
A notícia sobre as cartas já havia sido publicada pelo próprio Estadão, no domingo, em uma coluna de política, informando sobre um inquérito sigiloso que corre no Ministério Público do Acre a respeito das supostas denúncias de Hildebrando.
Nas duas pontas da controvérsia ficam o dever de informar e a necessidade de ponderações criteriosas sobre as fontes das informações dos jornalistas.
Os aspectos patológicos da mente do ex-deputado e ex-coronel Hildebrando Paschoal são muito claros na descrição de um de seus crimes, quando mutilou e matou um desafeto com uma motosserra, na década de 1990.
O contexto em que se dá a controvérsia é o processo que ocorreu no Acre nos últimos 25 anos, a partir do movimento liderado pelo ambientalista Chico Mendes, quando o estado foi retirado de uma situação de barbárie política e reorganizado institucionalmente.
Hildebrando representa o pior que poderia produzir o caos institucional. A questão é: quanta credibilidade ele pode ter, ao levantar suspeitas contra as duas autoridades que o condenaram?
Por outro lado, nem mesmo um processo tão radical de mudanças políticas como o que ocorreu no Acre isenta seus protagonistas de seguir as mais estritas normas de conduta.
A acusação que faz o criminoso à magistrada e à procuradora é a de favorecimento da filha de uma delas em um concurso público – e isso está sendo apurado pelo devido inquérito.
Se a Justiça deve considerar Hildebrando Paschoal inidôneo como testemunha nesse processo, por que razão a imprensa o trataria como se fosse um cidadão na plenitude de seus direitos?
O caso remete a episódios anteriores, nos quais estelionatários serviram como fontes de reportagens sobre denúncias de corrupção, e postula um debate entre os jornalistas sobre o papel da imprensa.
Durante o processo de redemocratização, os repórteres sabiam claramente, de modo geral, a quem dar a palavra.
Em plena democracia, quais seriam os critérios para a seleção das fontes?