Rabiscos nas paredes
Os jornais desta sexta-feira, dia 12, destacam com textos mais ou menos emocionados a descoberta de mensagens deixadas por operários que trabalharam na construção do edifício do Congresso Nacional, em Brasília, em 1959.
São frases piegas, platitudes produzidas por homens simples que se sentiam provavelmente muito orgulhosos por estarem ajudando a levantar a nova capital do país.
Mas, para a imprensa, é uma mensagem do passado a cobrar “dignidade e honra” e manifestar esperança no futuro do Brasil.
“Esperança e melancolia se misturam em um português precário”, observa a reportagem do Estadão, um dos diários que investiu mais no assunto.
Nas outras páginas que trazem notícias de Brasília, o tema recorrente é a corrupção, com destaque para as investigações sobre desvios no Ministério do Turismo.
Trata-se, na prática, de uma dessas séries de reportagens, que começou no Ministério dos Transportes e ameaça devassar todo o governo nos próximos meses, colhendo aqui e ali os resultados do garimpo de repórteres em material que vaza de investigações oficiais ou oficiosas, de fontes policiais ou plantação de desafetos políticos.
Como pano de fundo, a imprensa repete quase diariamente que a atual presidente da República está se livrando de uma herança deixada por seu antecessor.
Coincidentemente, a descoberta das inscrições feitas por operários numa laje do edifício da Câmara dos Deputados aconteceu por conta de um vazamento.
Em busca da fonte de uma infiltração de água, os engenheiros encontraram o lugar onde os trabalhadores anotaram há 52 anos suas reflexões e suas expectativas sobre o futuro do país.
Também naquela época havia denúncias de corrupção, e a construção de Brasília é considerada por historiadores e jornalistas como o ponto original dos esquemas criminosos envolvendo empreiteiras e políticos.
Algumas reluzentes empresas do Brasil de hoje nasceram como fornecedores de equipamentos e mão de obra para a consolidação do sonho de Juscelino Kubitschek.
Carregam, desde então, um longo prontuário de acusações e suspeitas de irregularidades em suas relações com o dinheiro público.
Chantagens explícitas
Os jornais noticiam praticamente todos os dias uma nova suspeita, esforçam-se por vincular os casos entre si e montam um cenário no qual toda a base aliada estaria envolvida num programa de saques contra o Tesouro.
Paralelamente, editoriais e artigos induzem à interpretação de que o governo federal é refém de seus apoiadores.
Iniciativas da presidente da República, como a sucessão de demissões no Ministério dos Transportes, são temperadas com recomendações à chefe do governo para se livrar de seus aliados.
Mas nada se esclarece a respeito da questão central: quem assegura a governabilidade em caso de uma ruptura na base parlamentar?
A imprensa já publica recados maliciosos de representantes de partidos que orbitam o poder federal, insinuando que podem aprovar projetos que aumentam gastos públicos, inviabilizando medidas do governo para defender a economia brasileira dos efeitos da crise na Europa e nos Estados Unidos.
Além disso, existe a ameaça explícita de provocar um impasse semelhante ao que paralisou o governo dos Estados Unidos na semana passada, no debate em torno da ampliação dos limites de endividamento do Tesouro americano.
No caso do Brasil, trata-se do risco de o Congresso Nacional reduzir a margem de liberdade do Executivo na gestão do orçamento.
As chantagens nesse sentido já aparecem nos jornais.
Se nos Estados Unidos o Tea Party foi ressuscitado pela mão da imprensa conservadora e se tornou protagonista central de uma crise econômica sem precedentes, no Brasil a bancada do “toma lá, dá cá” se perpetua na periferia do poder, gerando crises sucessivas que podem, eventualmente, afetar as chances nacionais de desenvolvimento.
A corrupção não foi inventada neste século.
As mensagens esperançosas de operários que construiram Brasilia precisam ser lidas com menos pieguice e mais objetividade.
Se a imprensa realmente quer o combate à corrupção, precisa ir fundo às suas raizes e levantar para valer a bandeira da reforma política.
Por exemplo, denunciando os corruptores.
Nenhum governo será capaz de quebrar o vício da corrupção sem o respaldo da sociedade publicizado pela imprensa.
O risco é o governo se livrar de seus aliados e acabar refém da mídia.