Só a Copa nos salva
Os jornais desta quinta-feira (22/5) fazem o rescaldo da baderna provocada em São Paulo por motoristas e cobradores de ônibus que rejeitaram o acordo salarial do sindicato da categoria com as empresas concessionárias do transporte público.
O esforço dos repórteres conduz o noticiário para um beco sem saída: não há um líder a responsabilizar, mas há muita irresponsabilidade e omissão na contabilidade dos danos.
Dos três principais diários de circulação nacional, o Estado de S. Paulo é o único a analisar politicamente o protesto e seus efeitos desastrosos: em editorial de inédita contundência contra o governador Geraldo Alckmin, o tradicional jornal paulista afirma que o movimento teria consequências menos danosas se a Polícia Militar fosse mobilizada a tempo para conter as primeiras ações dos piquetes.
Segundo o raciocínio proposto no texto, um movimento com aquelas características, desautorizado pelos representantes legais dos trabalhadores, teria que ser contido em sua origem, para desestimular o comportamento criminoso.
O jornal observa que era muito clara, desde o início, a intenção dos grevistas de provocar o maior transtorno possível à cidade.
Contrariando uma "regra elementar" de movimentos desse tipo, eles não comunicaram previamente a população e as autoridades que iriam paralisar os transportes.
Ao contrário: partiram normalmente com os veículos das garagens, nas rotas e horários normais, e pararam no meio do caminho, em lugares previamente combinados, justamente nas vias onde o efeito dos bloqueios seria mais desastroso.
A omissão das autoridades estaduais, a quem competia reprimir a ação dos piqueteiros e impedi-los de abordar os motoristas que não haviam aderido à greve, é apontada pelo editorial como a causa principal dos sofrimentos impostos à população pela interrupção do serviço.
Segundo o noticiário, um milhão de trabalhadores que haviam saído de suas casas pela manhã ficaram sem alternativa para retornar no final do dia.
O jornal afirma que a polícia se omitiu, permitindo que o movimento se alastrasse, e responsabiliza o governador por essa falha.
Desinformação e sabotagem
"Foi um claro problema de atentado à ordem pública", diz o texto, concluindo: "É de se perguntar se as autoridades que não percebem isso podem mesmo ocupar o cargo que ocupam".
Não se encontra, nos registros de editoriais e mesmo de artigos nos grandes diários, condenação tão explícita ao governador de São Paulo, mesmo nas ocasiões em que, no confronto com a facção criminosa chamada de Primeiro Comando da Capital, policiais militares andaram executando inocentes.
Nos outros dois jornais que dominam a cena da imprensa brasileira, há muita tergiversação e uma clara tentativa de classificar a greve como um acerto de contas entre marginais, dado o histórico de gangsterismo no sindicato dos profissionais de transporte urbano.
A Folha de S. Paulo brinda seus leitores com uma das costumeiras consultas instantâneas de opinião que o Datafolha chama de pesquisa.
No calor da baderna, 73% dos paulistanos consultados afirmam que agora são contra os protestos que paralisam a cidade.
O Globo registra a suspensão da greve e destaca o bate-boca entre o secretário municipal de transportes de São Paulo e o assessor de imprensa do governador Geraldo Alckmin.
No geral, a tendência do noticiário é registrar que até mesmo a imprensa está cansada de tanta manifestação.
A hipótese de que a Polícia Militar tenha se omitido para evitar socorrer o prefeito oposicionista é apenas insinuada nas entrelinhas, em meio a suspeitas de que a greve constituiu, na verdade, um ato de sabotagem agravado pelo interesse eleitoral.
Entre as declarações selecionadas pelos jornais há referências a omissões da própria imprensa sobre determinados assuntos, como a Copa do Mundo, que teriam contribuído para alimentar manifestações de protesto.
Nesse sentido, pode-se considerar que, ao levar ao extremo o direito a expressar suas reivindicações, motoristas e cobradores tenham marcado o limite que a sociedade está disposta a aceitar, na onda de paralisações que vem desde junho do ano passado.
Não é absurdo pensar que a Copa do Mundo poderá funcionar como a grande catarse e se revelar como um ponto de reencontro dos brasileiros consigo mesmos.