Um debate sem resultados
As reportagens publicadas em torno do debate sobre mudanças no Código Florestal, somadas ao material que relata conflitos no campo e as ações dos movimentos de agricultores sem terra, estão produzindo desvios na questão central que coloca em confronto representantes do movimento ambientalista e boa parte do empresariado rural.
Pode-se afirmar que tais desvios são produzidos em parte pela ausência de uma visão de sustentabilidade sobre o projeto de desenvolvimento do país, que mantém o tema aprisionado em expressões e conceitos que já não fazem muito sentido.
Desde os primórdios da República, por exemplo, a expressão “reforma agrária” é colocada no centro da questão, como uma bandeira dos grupos políticos chamados de “esquerda”.
Em variados estudos apresentados nos últimos anos em congressos e seminários sobre o desenvolvimento sustentável, esse conceito vem sendo substituido pela proposta de gestão territorial sistêmica, que não tem como pressuposto pétreo a propriedade da terra por quem a cultiva.
Nesse conceito, o uso da terra deve ser planejado em conjunto pelo poder público, a sociedade e a iniciativa privada, de acordo com as vocações regionais, as demandas específicas de negócio, o interesse geral do país definido em sua política econômica e a obrigatoriedade da exploração racional e sustentável do solo, da água e demais recursos naturais.
Do modo como a questão é apresentada pela imprensa, ficam os ruralistas em confronto com ambientalistas, correligionários à esquerda e à direita esgrimindo argumentos fragmentados e a sociedade, de modo geral, formulando conceitos incompletos e eventualmente equivocados sobre o tema.
Enquanto isso, brotam por aí experimentos de gestão sustentável onde se organizam arranjos produtivos amplamente satisfatórios, combinando agricultura e pecuária de subsistência com a atividade extrativista, permitindo a muitas comunidades melhorar sua qualidade de vida sem que isso signifique desmatamento.
Em alguns casos, tais arranjos se conectam a grandes empreendimentos do agronegócio.
Mas tais notícias só aparecem pontualmente na imprensa, naqueles cadernos especiais sobre boas práticas na chamada “economia verde”.
A questão ambiental deve ser vista sempre em conjunto com os planos de desenvolvimento, as estratégias de negócio, a garantia de qualidade de vida para todos e, evidentemente, o bom resultado econômico.
O pagamento pelos serviços da natureza é um negócio florescente em muitos lugares, inclusive no Brasil.
Mas a imprensa faz parecer que se trata de universos paralelos e inconciliáveis.
Jorge Semprun (1923-2011)
A morte de um humanista
Alberto Dines:
– O grande fiasco da nossa imprensa está na sua resignação à idéia de que logo irá desaparecer. E está tão certa disso que adotou os mesmos padrões e tiques daquela que deverá substituí-la – a mídia digital. Jornais e revistas fazem tudo para parecerem portais, blogs ou redes sociais: cada vez mais banais, triviais, ligeiros, mundanos. Perderam a noção da sua importância, felizes de estarem vivos embora descartáveis. Isso fica ainda mais evidente quando se compara um jornalão brasileiro com outro jornalão europeu, americano ou mesmo argentino. A morte do intelectual e político franco-espanhol, Jorge Semprun, na terça-feira, foi aqui praticamente ignorada apesar de ter sido símbolo dos ideais políticos da segunda metade do século XX: lutou contra o nazismo na França ocupada, foi prisioneiro de um campo da morte, Buchenwald (onde conheceu Primo Levi), lutou contra o fascismo de Franco, contra o stalinismo soviético, contra todos os totalitarismos, contra a barbárie e o terror. Humanista – um dos últimos. Escrevia francês e espanhol com igual maestria, foi roteirista do grande Costa-Gavras, de Alain Resnais e Joseph Losey. Ministro da Cultura no governo socialista de Felipe Gonzalez, atento observador do processo cultural, é dele a melancólica constatação de que o problema ainda irresolvido pela democracia é o da liberdade de expressão. Cunhou-a quando a imprensa direitista espanhola amparada pela Opus Dei derrotou o responsável pelo renascimento espanhol, Felipe Gonzalez. O diário espanhol, El País dedicou-lhe na quarta-feira metade da capa e três páginas de informações. Ontem, publicou mais dez páginas. Tivemos que nos contentar com as trinta linhas, excelentes alias, do Estadão e assinadas por Antonio Gonçalves Filho. Quando uma imprensa não consegue avaliar fatos ou figuras estelares da sua época, está desumanizada e pedindo demissão de suas funções.