Uma cartada de alto risco
Eliminado o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, trata agora a imprensa de levantar suspeitas contra o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel. Antes que o rolo compressor acumule novos questionamentos, como é de praxe nesse tipo de cobertura, trata a presidente da República de fazer seu auxiliar apresentar o mais amplo esclarecimento, o que já no segundo dia oferece explicações para as perguntas em tom de acusação publicadas no domingo pelo Globo.
Pode-se prever para os próximos dias movimentos de grande significado de um lado e de outro, já que Pimentel é um quadro de primeira grandeza no partido da presidente da República, para quem se desenham papéis relevantes no futuro próximo.
Essa condição também o transforma em alvo preferencial, se considerarmos os sintomas de que há mais no ímpeto da imprensa do que o louvável interesse pela moralidade nos negócios públicos.
Seja qual for a verdade por trás de cada um dos casos que até aqui resultaram em mudanças no ministério, este tem um peso muito especial. Fernando Pimentel é quadro destacado no processo de renovação de lideranças do Partido dos Trabalhadores.
A rigor, a acusação inicial a respeito das consultorias que prestou entre 2009 e 2010, quando não ocupava cargo público, não difere de trabalhos que foram realizados por ex-diretores do Banco Central, ex-ministros e até mesmo ex-presidentes da República has últimas décadas.
Nenhum jornal jamais estranhou os movimentos anteriores de ex-dirigentes de bancos estatais e ex-ministros ou ex-governadores na iniciativa privada. Alguns desses personagens, aliás, se transformaram em fontes preferenciais da imprensa como analistas de assuntos de governo e de economia.
Insinuações ou afirmações da imprensa sobre suposto tráfico de influência precisam ser demonstradas com muita clareza, para que não reste dúvida sobre o comportamento do ministro Pimentel.
No seu caso, não vai colar o processo que produziu até aqui a sucessão de quedas que, na verdade, ajudam a presidente Dilma Rousseff a desenhar o governo mais ao seu gosto.
A reforma necessária
Pimentel pertence ao núcleo duro do governo, é figura central no projeto político da atual ocupante do Planalto.
Se os jornais aderirem ao processo de fritura iniciado pelo Globo e restar demonstrado que não havia causa para escândalo, a ruptura estará feita.
Se até aqui a presidente manobrou nos espaços que lhe deixou a imprensa ao sacudir um ou outro ministro de seu galho, administrando com cautela o epíteto de “faxineira” que os jornais lhe tentaram aplicar, o mesmo não se pode esperar quando o alvo é Fernando Pimentel.
O noticiário sobre malfeitos no governo federal tem um caráter profilático, quando ajuda a desmascarar o sistema político de alianças, que descentraliza decisões no varejo e estimula a apropriação do patrimônio público.
Mas o mesmo critério não é aplicado para toda suspeita de corrupção.
Em São Paulo, onde o Estadão criou um selo para acompanhar o caso das propinas na Assembléia Legislativa, outro escândalo de dimensões muito maiores, envolvendo a CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano – foi engavetado nas redações em 2007 e até hoje permanece fora da pauta.
É obrigação de todo jornalista investigar qualquer suspeita de irregularidade no poder público, assim como nos casos de crimes privados.
Mas a fragmentação do noticiário, com a apresentação sequencial de casos isolados, não ajuda a entender como funcionam os esquemas da corrupção e alimenta na sociedade a descrença no regime democrático.
Juntando-se os casos já levados a público, com a consequente queda de ministros, há material suficiente para uma série de reportagens sobre o funcionamento do sistema político-partidário e as fissuras que permitem ou estimulam as associações delituosas, que parecem ao cidadão comum, cada vez mais, como inerentes ao poder público.
Percebe-se claramente um cansaço geral com as falcatruas em todas as instâncias, com a inoperância do Judiciário e a ineficiência do Estado em muitos setores.
Mas, até aqui, as tentativas de movimentos contra a corrupção não têm juntado mais do que um punhado de gatos pingados, porque existe na sociedade uma desconfiança generalizada nas intenções de seus organizadores, justamente por causa do caráter seletivo dos protestos.
Se a imprensa tivesse estofo para discutir o sistema político, sem partidarismos, poderia produzir iniciativas coletivas como a que levou à apresentação do projeto da Ficha Limpa, obrigando o Congresso a encarar a tarefa da reforma institucional.