Vale o que está escrito
Os jornais desta quinta-feira, dia 16, anunciam que a Lei da Ficha Limpa tem encaminhamento favorável à sua aplicação já nas eleições deste ano, a julgar pelo andamento das votações no Supremo Tribunal Federal.
Apesar de conhecido o ditado sobre a imprevisibilidade das decisões da Justiça, a imprensa dá como certo que as tendências entre os ministros seriam confirmadas e que o brasileiro poderia se dedicar aos folguedos carnavalescos com a segurança de que nenhum postulante a cargo eletivo com problemas na Justiça virá a ter sua candidatura aprovada pelos tribunais eleitorais daqui para a frente.
Durante a votação realizada na quarta-feira, o projeto de lei de iniciativa popular havia obtido votos favoráveis de quatro ministros, e os jornalistas que costumam cobrir os julgamentos do STF se sentiam confortáveis para antecipar posições idênticas de outros cinco ministros.
Assim, pode-se contar que, já a partir deste ano, cidadãos condenados em órgão colegiado da Justiça, ainda que tenham direito a recurso, ficarão inelegíveis pelos oito anos subsequentes, mais o tempo da condenação que os tornou inelegíveis.
A mesma restrição valerá para os que forem cassados e aqueles que, ameaçados de punição, renunciem a seus mandatos para evitar a cassação.
Mas restavam dúvidas, segundo os jornais, a respeito do período da inelegibilidade.
Segundo a Lei da Ficha Limpa, alguém que for condenado a uma pena de dez anos ficará inelegível por esse período, mais os oito anos da nova lei específica.
Na opinião de alguns ministros, esse entendimento produz efeito semelhante ao da cassação permanente de direitos políticos, pena que não é admitida pela Constituição Federal.
Nesse caso, a solução seria considerar a inelegibilidade por um mínimo de oito anos, acrescida dos anos que restarem a serem cumpridos da condenação que originou a restrição.
Os debates prometiam animar o plenário, por se tratar de matéria familiar à maioria dos ministros, e por alcançar outros temas que têm provocado grandes controvérsias no campo jurídico.
Por exemplo, o fato de que a morosidade da Justiça pode afetar a aplicação da nova lei, conforme lembra o Globo.
A voz sem dono
Há dois aspectos interessantes a se destacar no noticiário desta quinta-feira: o primeiro deles é a consagração da constitucionalidade de uma lei que nasceu da mobilização popular, que só se tornou possível graças às novas tecnologias de comunicação.
O segundo aspecto é o da comprovação de que não faltam recursos legais para barrar o acesso de bandidos aos poderes legislativo e executivo, mas o próprio Judiciário tem dificuldade para defender seus tribunais da infiltração de criminosos.
Embora essas ponderações não estejam explícitas no noticiário e nos artigos dos jornais, o acompanhamento dos votos dos ministros pela imprensa permite vislumbrar esse fantasma, que assombrou a Suprema Corte nas controvérsias sobre atribuições do Conselho Nacional de Justiça.
Uma das questões centrais abordadas pelos ministros durante a votação da Lei da Ficha Limpa é o evidente desconforto com relação à sua origem.
O formalismo dos magistrados é desafiado por manifestações difusas da sociedade, paralelas à atuação ordenada das instituições.
O leitor atento dos relatos produzidos pelos jornais há de perceber que, mesmo sendo a quarta iniciativa popular a se transformar em lei, esta que bloqueia o acesso de criminosos ao poder público pela via dos votos ainda encontra o Judiciário despreparado para eventos típicos da democracia direta.
O ministro Dias Tofolli, por exemplo, ao votar contra a constitucionalidade da iniciativa, falou sobre “a necessidade de o STF proteger a maioria de si mesma, o desagradável papel de restringir a vontade popular”.
Esse é um tema presente em muitos debates sobre a crise da democracia representativa, que no entanto costuma ser bordejado pela imprensa, por exemplo, ao noticiar os arreglos entre partidos políticos e conchavos no interior de tribunais.
Diante do mau funcionamento das instituições republicanas, pode-se prever que novas iniciativas populares deverão se seguir à da Lei da Ficha Limpa, principalmente estimuladas pelo crescimento da adesão às redes sociais e pela maior oferta de comunicação em banda larga.
Não apenas instituições públicas como o Supremo Tribunal Federal, mas também a própria imprensa, precisam rapidamente aprender a dialogar com essa voz sem dono aparente.