Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>A crise e o crime organizado
>>Autoria esquecida

A crise e o crime organizado

Citado de passagem, como curiosidade, na imprensa de todo o mundo, o cineasta Michael Moore coloca em pauta uma expressão que deveria estar obrigatoriamente vinculada à atual crise financeira: o crime corporativo.

Moore, que se tornou uma das mais rombudas pedras no sapato do governo Bush com seus documentários extremamente populares, declarou, em artigo publicado no site Znet (pode ser lido no endereço www.zmag.org/znet/viewArticle/18997, em inglês), que a proposta de ajuda aos bancos à beira da falência corresponde ao crime corporativo do século.

Descontadas as aleivosias do documentarista, que costuma transitar por teorias conspiratórias mais ou menos verossímeis, convém anotar que ele toca num ponto até aqui ignorado pela imprensa: quanto da crise financeira atual se deve a ações criminosas?

Sabe-se, de acordo com estudos da ONU, que o crime organizado movimenta anualmente cerca de 2 trilhões de dólares.

Sabe-se também que, desse total, nada menos do que 1 trilhão e 400 bilhões circulam todos os anos pelo sistema financeiro internacional.

A pergunta que a imprensa ainda não fez: quanto da crise financeira, cujo custo está sendo repassado aos cidadãos, foi produzido pelo dinheiro de mafiosos que é lavado em investimentos de alto risco?

Segundo a ONU, a receita do crime organizado inclui 1 trilhão de dólares da corrupção, entre 300 bilhões e 400 bilhões do tráfico de drogas e outros 300 bilhões a 400 bilhões do contrabando de armas. Esse dinheiro, além da receita do tráfico humano, roubo de cargas e outras atividades criminosas, não desaparece no ar.

Passa pelo sistema financeiro e ressurge, limpo, para ser investido dentro da lei.

Quando o dinheiro do crime organizado circula pelos sistema financeiro, ele passa a ser objeto de crime corporativo, pois esse recurso entra no mercado em condições privilegiadas de competição contra o patrimônio dos investidores honestos, cuja receita tem certidão de nascimento.

A imprensa nunca tratou desse assunto com profundidade.

Talvez esteja na hora de um exame mais completo dessa crise, cujas causas são muito mais profundas do que os excessos na concessão de créditos para moradias.

Autoria esquecida

Alberto Dines:

– Ao longo desta crise financeira global nosso governo aproveita todas as oportunidades para jactar-se da invulnerabilidade do sistema bancário brasileiro. O governo está certo, porém, esquece de uma coisa – dar nome aos bois.

Sem o PROER, Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro Nacional, adotado a partir de 1995, talvez já estivéssemos dentro do furacão.

É fácil entender porque o governo escondeu a proeza do PROER, que conseguiu blindar os bancos brasileiros, a moeda brasileira e, em última análise, a economia brasileira. O PROER  não foi obra deste governo, mas do anterior, e os maiores beneficiários do PROER são aqueles que há treze anos eram os seus mais ferrenhos detratores. Ora, este tipo de esquecimento é freqüente nas disputas políticas, faz parte de um jogo onde a urbanidade não costuma ser obrigatória.

O que não se entende é que a imprensa gaste toneladas de papel para cobrir e explicar todos os lances da crise financeira e tenha passado ao largo de uma informação de capital importância para o esclarecimento da sociedade.

Quem tomou a iniciativa de lembrar o episódio foi o ex-vice-presidente da República, o senador Marco Maciel, num artigo de jornal (O Estado de S. Paulo da última terça, 30/9). Não há termo de comparação entre os vinte bilhões de reais gastos no PROER e os 850 bilhões de dólares que serão gastos no pacote de socorro americano, mas cabia à imprensa  – e não a uma das partes – a tarefa de fazer esta remissão a um passado tão recente. Afobada, nossa imprensa esquece depressa.

Seu problema é este.