A culpa é do sistema
As notícias de que a alta do dólar no Brasil se deve à ação de empresas, que tentam reverter as perdas por apostas equivocadas, e o fato de o Fundo Monetário Internacional ser apresentado como um dos arautos do apocalipse revelam uma mudança radical na abordagem da crise financeira global por parte da imprensa.
Agora o problema não é mais visto apenas como resultado da ação predatória dos especuladores.
Ao ampliar o raio das responsabilidades, a imprensa também começa a admitir que existe algo errado em todo o sistema econômico, que extrapola o ambiente dos bancos e do mercado de ações.
A novidade é que a imprensa sempre se negou a discutir o sistema, como se isso fosse abalar a crença geral na soberania dos mercados.
Essa crença pode ser identificada na matriz ideológica que predomina na mídia e constitui uma das marcas mais evidentes do seu conservadorismo.
Os jornais de hoje estão plenos de sinais de que os observadores e analistas já enxergam a crise para além do ponto de fusão, e lançam idéias para evitar o derretimento do sistema econômico.
Algumas dessas idéias apontam para a necessidade de abandonar à própria sorte as instituições financeiras que correram riscos exagerados e passar a socorrer as empresas, cujas ações despencam nas bolsas.
No entanto, ninguém ainda se referiu ao cidadão que confiou no noticiário sobre a pujança do mercado e apostou seu patrimônio num sistema que, afinal, se revela frágil e incapaz de se auto-regular.
Se e quando o Estado e os organismos multilaterais – financiados basicamente pelo Estado – se transformarem na principal fonte de oxigênio dos negócios, como a imprensa irá qualificar o sistema econômico?
A mídia sempre evitou discutir os rumos do sistema econômico no longo prazo.
Os debates sobre a sustentabilidade dos negócios globais, que se iniciam pela questão da exploração sem limites do patrimônio ambiental e pelo tema da reponsabilidade social de empresas, desaguando no desafio da inclusão social de centenas de milhões de seres humanos, nunca foram levados ao nível da análise sistêmica.
Agora que o deus mercado está reduzido a pó, a questão da sustentabilidade começa a despontar no noticiário.
Pode ser tarde demais.
A pergunta que ninguém faz
Trata-se da questão da propriedade dos meios de comunicação.
Vinte anos depois de consagrado na Constituinte, o princípio da democratização das comunicações ainda fica longe da realidade.
A realidade ainda é a do monopólio, do oligopólio e da concentração de concessões de rádio e televisão nas mãos de políticos.
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– Nas matérias acerca das comemorações dos vinte anos da Constituição de 1988, a mídia praticamente deixou de lado um tema que lhe deveria ser muito caro: a aplicação dos dispositivos do Capítulo V da Carta Magna, que trata ‘Da Comunicação Social’.
Embora repleto de boas intenções, duas décadas depois de sua promulgação muito pouco dos cinco artigos desse capítulo foi de fato regulamentado, em especial os itens que, em tese, garantiriam as bases para a democratização das comunicações no país. Sem falar no parágrafo em que se afirma que ‘os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio’.
O resultado dessa omissão é um vazio regulatório que permite situação absurdas, como a apontada pela Folha de S.Paulo, no editorial ‘Concessões sem controle’ publicado na sexta-feira passada. Ao mencionar as 184 concessões de radiodifusão que estão vencidas, algumas aguardando renovação há duas décadas, o jornal toma o fato como ‘um instantâneo desalentador da negligência com que o Ministério das Comunicações trata do assunto. É como se o controle público sobre concessões de radiodifusão não tivesse importância’.
Não era esse o espírito do constituinte de 1987-88: os debates travados à época na Subcomissão de Ciência e Tecnologia e da Comunicação estão disponíveis no site do Senado (ver aqui). Por que o parlamento não retoma o tema? Faça essa pergunta ao seu congressista.