Afogados em números
Os chamados jornais de circulação nacional não souberam lidar com os extraordinários números do crescimento da economia brasileira no primeiro trimestre deste ano.
Algumas manchetes revelam que os editores foram surpreendidos pelo desempenho do PIB, ao mesmo tempo em que mostram uma certa omissão com relação a novos paradigmas que vêm sendo levados em conta nas avaliações econômicas que priorizam o aspecto da sustentabilidade.
A imprensa continua a considerar o Produto Interno Bruto como indicador único de desenvolvimento, ignorando os novos paradigmas impostos pelas urgências ambientais e sociais.
Ainda que levando em conta apenas o crescimento de 9% do PIB, as reportagens desta quarta-feira indicam que os jornais não esperavam um desempenho tão marcante do setor industrial e dos investimentos, mesmo com as notícias diárias de novos negócios e de otimismo em geral que eles próprios vinham publicando.
Foi o maior salto do PIB desde 1996, superando todas as previsões anunciadas pela imprensa desde o início do ano.
Os números posicionam o Brasil como o país que mais cresce fora da Ásia, conforme observa a Folha de S.Paulo – o que equivale a dizer que foi o maior crescimento entre todos os países democráticos.
Não custa lembrar que, há quatro anos, quando o Brasil crescia entre 2 e 3%, a imprensa cobrava um desempenho chinês.
Agora que o Brasil cresce a níveis chineses, a imprensa alerta para riscos de superaquecimento.
Como a imprensa brasileira ainda não considera importante levar em conta a questão da sustentabilidade como eixo central da economia, o leitor precisa se esforçar para fazer análises mais amplas, que extrapolem os números relativos ao desempenho das empresas.
Observe-se, por exemplo, os números da economia, em conjunto com a notícia sobre a tentativa da bancada ruralista de amenizar o rigor do Código Florestal: a tendência a forte expansão dos negócios, somada a menos responsabilidade na preservação do patrimônio natural, pode produzir um verdadeiro desastre ambiental e econômico num prazo relativamente curto.
Mas a imprensa brasileira só enxerga cifrões.
A mídia em debate
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– A representação da Unesco no Brasil está lançando agora em junho um conjunto de ações que prevêem a realização de pesquisas, workshops, edição de publicações e seminários que devem se estender pelos próximos meses. A pedra de toque dessas iniciativas é a compreensão da importância dos meios de comunicação no desenvolvimento das sociedades democráticas, sobretudo no ambiente de intensa convergência de mídias e de tecnologias que hoje vivemos. A Unesco entende que esse quadro de mudanças obriga os governos de todo mundo a promover a discussão de políticas específicas para o desenvolvimento da mídia – e o Brasil não está fora disso.
O desafio é formular as bases de um marco regulatório e consolidar políticas públicas para a comunicação que sejam socialmente legitimados pelo debate amplo e democrático entre os atores envolvidos no processo –governo, órgãos reguladores, empresas e sociedade civil. De acordo com a Unesco, boa parte dos problemas da mídia brasileira é conseqüência da falta de uma regulação consistente e atualizada, como a existente em outras democracias. Com base nesse diagnóstico, o organismo lançou, em janeiro deste ano, o projeto ‘Marco Regulatório das Comunicações no Brasil: análise do sistema à luz da experiência internacional’. O objetivo é estimular a cultura da regulação para políticas públicas de comunicação por meio da análise comparativa entre o Brasil e outros dez países democráticos.
Dois reconhecidos especialistas na área – o canadense Toby Mendel e a inglesa Eve Salomon – estarão no Brasil entre agosto e setembro próximos para uma série de workshops. E como ato inaugural desse processo, a Unesco lançou a tradução para o português do documento ‘Indicadores de Desenvolvimento de Mídia’, aprovado em 2008. Um debate sobre o tema está marcado para o próximo dia 23, às 14h, na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Será importante acompanhar.