Crônica das inoperâncias
O historiador Marco Antonio Villa faz hoje na Folha uma pequena crônica sobre as incompetências conjugadas do governo e da oposição. Faltou dizer que as mesmas críticas devem ser feitas à imprensa, que tantas vezes se limita a ser porta-voz de manobras do governo e da oposição.
Um exemplo disso é que os jornais relatam como se fossem um fenômeno natural, ressalvadas aqui e ali algumas críticas, as barganhas em torno de cargos que Villa, evitando ir mais longe, classifica como “instrumento de arrecadação de recursos financeiros para a próxima campanha eleitoral”.
Apagão aéreo dissecado
Alberto Dines destaca a importância da manchete de ontem da Folha sobre o apagão aéreo.
Dines:
– A manchete da Folha de S. Paulo de ontem, deve dar o que falar. Apesar de escondida pelo carnaval de fotos e oferta de brindes, a reportagem desmente uma incrível coleção de inverdades que as autoridades vêm oferecendo desde outubro passado. O relatório da Federação Internacional das Associações de Controladores de Tráfego Aéreo feito em seguida à tragédia com o vôo 1907 foi categórico: nossos controladores estavam despreparados, os equipamentos eram obsoletos, a cobertura de rádio foi imperfeita e os sistemas operacionais eram inadequados. A conclusão foi encaminhada à presidência da República em novembro passado. A Polícia Federal já indiciou os pilotos do jato executivo Legacy, mas o governo ainda não revelou as demais providências técnicas ou legais cabíveis. A matéria da Folha deixa claro que o apagão aéreo poderia ter sido contornado, minimizado ou mesmo evitado ainda em novembro se as autoridades civis e militares tivessem examinado o relatório. Nenhuma das conclusões do relatório da Federação Internacional de Controladores constitui novidade. Alguns jornalistas mais rigorosos e persistentes têm publicado periodicamente avaliações semelhantes. E nada acontece. Por quê? Porque não basta denunciar uma irregularidade, é preciso insistir, martelar, desdobrar. A manchete de ontem na Folha, embora arrasadora, pode cair no vazio se hoje jornais, rádios e tevês a ignorarem.
Ainda uma crise aberta
Dines, os jornais não retomam hoje o assunto, talvez porque, como se sabe, as redações trabalham esvaziadas aos domingos, mais ainda num feriado. Mas vale assinalar que também informações da revista Veja desta semana, sobre a reação da Aeronáutica à crise, ficaram sem repercussão. No jornal Valor, hoje, informa-se sobre circunstâncias da nomeação do brigadeiro Juniti Saito para o comando da Força Aérea. No Estadão, especialistas questionam a condução das políticas aéreas, cujo resultado, até agora, é permitir que passageiros sofram em salas de espera embelezadas. Noticia-se também que oficiais da Aeronáutica que responderam com insubordinação à greve dos controladores poderão ser processados.
Crítica à TV pública
O Estadão, que não pode ser acusado de ter interesse próprio em televisão privada, condena hoje em editorial a idéia da rede pública de TV. Diz que a rede já existe e que parte de sua programação é educativa há mais de 40 anos.
Miragens colombianas
O Globo comete um erro ao tentar fazer paralelos, numa série de reportagens, entre os problemas de segurança pública do Rio de Janeiro e de cidades colombianas. Os dois contextos históricos e políticos são radicalmente diferentes. As reportagens sempre desmentem o enunciado dos títulos, porque os repórteres não podem ignorar a realidade que encontraram na Colômbia, onde, entre outras coisas, o Exército é financiado e parcialmente treinado pelo governo dos Estados Unidos. Esse desconhecimento do pano de fundo dos processos leva a fenômenos como a manchete absurda de hoje da página 8 do jornal: “O alto preço de virar Colômbia”.
[Leia ‘Colômbia é violenta desde a independência‘ e ‘Na Colômbia, a dramática associação entre guerrilha e drogas‘, entrevistas de Antonio Carlos Peixoto.
O erro do Globo tem o mesmo vício de origem de grande parcela do noticiário brasileiro: é excessivamente dependente das autoridades, que o manipulam.
De positivo, registre-se que o Globo combate sem hesitação os grupos de extermínio, ou “polícias mineiras” que ele mesmo, em má hora, chamou de “milícias”. Mas o jornal ainda está à espera de evidências de que esses grupos já participam do tráfico de drogas, o que, segundo disse o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Severo Augusto da Silva Neto, em entrevista há três meses a este programa, já ocorre.