As bruxas e os feiticeiros
Uma das dificuldades de uma situação como a de hoje no Brasil é que não existem referenciais sólidos nos quais se apoiar para avaliar os fatos. A Polícia Federal age. Mas age corretamente? Denúncias são levadas à Justiça. A Justiça funciona adequadamente no Brasil? Invocam-se leis para criticar ou aplaudir atos dos três poderes. As leis brasileiras são boas, constituem um edifício sólido, coerente?
A Operação Navalha tem dimensões ímpares. É uma oportunidade para discutir muita coisa. Mas quando há excesso de assuntos em discussão, perde-se o foco. Qualquer discurso com efeitos políticos transformadores tende a virar algaravia.
Nesse processo, a mídia carrega os ônus de suas próprias imperfeições e das imperfeições de suas fontes, que são majoritariamente autoridades.
O Estado de S. Paulo, em editorial, cita artigo publicado ontem na Folha pelo advogado Alberto Zacharias Toron. O jornal seleciona duas críticas de Toron: o uso, pela Polícia Federal, de práticas que lembram a ditadura militar, como invasões de escritórios de advogados, e a decretação de prisões temporárias a granel, exploradas principalmente na televisão. Um pequeno editorial no Globo alerta: “O país não pode entrar num clima de caça às bruxas. Mesmo porque, toda vem em que isso ocorre, os reais feiticeiros escapam”.
Competição estadual
Alberto Dines compara as denúncias feitas contra os poderosos de três estados.
– No Jornal Nacional de ontem o estado de Alagoas foi apresentado com o foco do escândalo revelado pela Operação Navalha. Errado: com base num levantamento do jornal O Estado de S.Paulo, Alagoas tem cinco suspeitos formais, embora o governador Teotônio Villela esteja numa situação muito desconfortável. Colado com Alagoas está Sergipe com quatro suspeitos formais e mais o atual governador também encalacrado. Mas quem ganha disparado, verdadeira goleada em matéria de suspeição, são os políticos maranhenses: são nove suspeitos, sendo um ex-governador, mais o atual governador e o ministro que já se foi. Acontece que o dono da política maranhense nos últimos quarenta anos é o ex-presidente da República, José Sarney, padrinho assumido do ex-ministro Silas Rondeau e o primeiro, diga-se, a puxar o seu tapete. É preciso não esquecer também que a série de flagrantes de formidáveis somas de dinheiro vivo feitos pela Polícia Federal começou no escritório da empresa Linus, pertencente à filha e genro de Sarney, no início de 2002. Todos inocentados pela Justiça. Pergunta-se: qual a poção mágica que usa o senador José Sarney para tornar-se invisível nas horas difíceis? Fácil descobrir: quando presidente da República, Sarney foi extremamente generoso com as grandes e medias empresas de mídia, eletrônicas e impressas. E, como se não bastasse, Sarney pertence ao seleto clube de barões da mídia brasileira. E, como se sabe, aos amigos, tudo.
Juízes e procuradores
O bate-boca entre o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, é uma oportunidade para que se promova um debate mais amplo sobre o funcionamento da Justiça no país. Já houve quem dissesse que no Brasil basta fazer uma reforma séria: a reforma do Judiciário.
Mal-acostumado
Roberto Carlos expõe seus argumentos para impedir na Justiça a venda de sua biografia não autorizada escrita pelo jornalista Paulo César Araújo. No Estadão de hoje, menciona a Constituição. Existe, de fato, conflito entre liberdade de expressão e proteção da privacidade. O cantor diz que a informação tem valor enquanto é de interesse da nação. Desde que não haja esse interesse, prevalece a proteção à privacidade. O enunciado é correto. Mas na proibição do livro Roberto Carlos em Detalhes incidem dois fatores que não podem ser ignorados. Primeiro, que o país poderia sair mais esclarecido se o caso tivesse subido para instâncias superiores do Judiciário. Segundo, que a mídia acostumou Roberto Carlos a ser tratado como Roberto Carlos deseja. Se, agora, ele reage mal a algo que escapa de seu controle, é em parte porque ele foi acostumado a não ser jamais contrariado.
Chávez e RCTV
Aproxima-se do desenlace o caso da RCTV, a mais importante rede de televisão privada da Venezuela. A liberdade de imprensa é um componente essencial da democracia, mas é difícil dizer qual dos dois lados em conflito tem um passivo pior: se é o passado da RCTV ou se são os planos de futuro do presidente Hugo Chávez.