Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

>>Caos nas ruas, confusão nos jornais
>>A política do avestruz

Caos nas ruas, confusão nos jornais


Mais um dia de caos em São Paulo após as chuvas fortes é a manchete inevitável dos grandes jornais paulistas e destaque no Globo.


No Globo, manchete para o aumento de preços de materiais de construção no Rio, destaque para as enchentes em São Paulo e para a conferência do Clima, que começa em Copenhague.


Nos jornais paulistas, nenhuma atenção à conferência de Copenhague na primeira página.


Apenas uma referência, no pé de um texto na manchete do Estado de S.Paulo: “para estudiosos, as chuvas persistentes podem já ser resultado das mudanças climáticas”.


Poucas aulas de jornalismo poderiam ser mais esclarecedoras do que a observação dos jornais desta quarta-feira para se chegar à constatação de que a imprensa ainda não integrou o aquecimento global como tema transversal ao noticiário.


Apesar das evidências de que o fenômeno afeta praticamente todos os aspectos da vida comum, os jornais ainda o tratam como assunto isolado, distante do noticiário econômico, dos acontecimentos que afetam a qualidade de vida da população e das escolhas de políticas públicas.


A cobertura dos debates em Copenhague ficou totalmente comprometida pelas controvérsias, alimentadas pela imprensa, em torno de um documento atribuído ao governo da Dinamarca, e que foi considerado desfavorável aos países em desenvolvimento.


O documento, publicado pelo jornal britânico Guardian, provocou uma sucessão de informações desencontradas em sites noticiosos de todo o mundo.


Nas edições de papel desta quarta-feira, fica claro que se tratava de  um balão de ensaio para uma suposta negativa dos países ricos a pedidos de financiamento por parte das nações em desenvolvimento para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.


O texto, sem assinaturas, circulou como se fosse um documento oficial, o que aumentou a confusão.


Propõe medidas para limitar o crescimento da temperatura média do planeta  ao máximo de 2 ºC em relação aos níveis do período pré-industrial, reconhece que as nações industrializadas são responsáveis pela maior parte das emissões de gases do efeito estufa e admitem que as medidas para mitigar seus malefícios não podem ser partilhadas igualmente com os países em desenvolvimento, cuja prioridade é erradicar a pobreza.


A controvérsia, que seguia sem esclarecimento, indica que a imprensa não tem uma estratégia clara para a cobertura da conferência.


Um simples boato é capaz de desmanchar todo o planejamento da edição.


E os jornais ainda não enxergam a relação direta entre o tema de Copenhague e as enchentes quase diárias nas cidades brasileiras.


A política do avestruz


Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:


– “Diante de uma grave emergência.” Este é o título de um editorial publicado anteontem, simultaneamente, por 56 jornais de 45 países a propósito da abertura da 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, reunida em Copenhague (Dinamarca), com término previsto para 18 de dezembro.


A iniciativa dos jornais é mais uma evidência da gravidade do problema que assola o planeta, até agora incapaz de equacionar a contento a questão energética e a emissão descontrolada de gases de efeito estufa.


“Se não nos unirmos para empreender ações decisivas”, afirma o editorial, “a mudança climática causará estragos em nosso planeta e, com ele, em nossa prosperidade e em nossa segurança.” O tom compreensivelmente alarmista continua ao longo do texto: “Agora, os fatos começaram a falar por si próprios: 11 dos últimos 14 anos foram os mais quentes já registrados, a calota polar do Ártico está derretendo e a incrível alta dos preços do petróleo e dos alimentos, no ano passado, nos oferece a antecipação do caos que se avizinha”. E por aí vai. O texto termina com um recado aos dirigentes mundiais: Os políticos presentes em Copenhague têm o poder de determinar como nos julgará a história: uma geração que viu um desafio e o enfrentou, ou uma geração tão estúpida que viu o desastre mas não fez nada para evitá-lo.”


Dessa ação de caráter simbólico, mas não por isso pouco relevante, participaram apenas dois jornais brasileiros – Zero Hora e Diário Catarinense – ambos vinculados ao grupo RBS. Os três chamados jornalões de circulação nacional desconheceram olimpicamente a iniciativa. Será que esses grandes veículos – e seus congêneres eletrônicos – estão de fato fazendo a parte que lhes cabe nessa guerra que a Humanidade deverá travar por sua sobrevivência? Esta, aliás, é a pergunta da enquete desta semana na edição online deste Observatório: “A mídia tem conseguido vincular as catástrofes ambientais no Brasil ao processo de mudanças climáticas?”