Corrupção e impunidade
Os jornais dissecaram a crise no governo do Distrito Federal durante o final de semana e inauguram esta segunda-feira dando como certa a expulsão do governador José Roberto Arruda do Partido Democratas.
Mas há espaço de manobra suficiente para Arruda protelar a decisão, por conta das vacilações dos dirigentes partidários.
Nos detalhes do noticiário se constata que o esquema de corrupção exposto pelo ex-secretário Durval Barbosa foi herdado do governo anterior, de Joaquim Roriz, que durou oito anos.
Como o denunciante, que fez acordo de delação premiada, teve tempo para gravar uma infinidade de conversas, muitas figuras notórias do Democratas e de outros partidos temem aparecer a qualquer hora estrelando um desses vídeos.
O Estado de S.Paulo publicou domingo, e o Globo repercute nesta segunda, uma avaliação do patrimônio pessoal do governador Arruda: em sete anos, ele ficou 1060% mais rico, e ultimamente andou comprando imóveis de valor elevado em nome de terceiros.
No entanto, seus advogados insistem em declarar sua inocência e vão tentar impedir sua expulsão do partido até quinta-feira.
Podem conseguir a façanha, segundo os jornais, por causa das muitas fissuras na legislação, que deixam o Judiciário de mãos atadas diante da infinidade de recursos disponíveis para quem pode pagar uma boa defesa.
O Globo tentou, no domingo, fazer história com uma ambiciosa reportagem sobre as causas da impunidade dos corruptos no Brasil.
Diante da constatação de que apenas 1% das ações contra autoridades no Superior Tribunal de Justiça resultam em condenação, o jornal carioca tenta pesquisar as razões de tamanha ineficiência.
Mas a reportagem se esvazia num emaranhado de opiniões repetitivas sobre a morosidade dos processos, sem apontar onde exatamente seria necessário mudar, que direitos deveriam ser suprimidos ou relativizados para que a Justiça realmente viesse a funcionar.
Talvez tenha faltado ao jornal questionar exatamente isso: se existe vontade real dos donos do poder para mudar o sistema judiciário.
Um dos entrevistados na reportagem, presidente da Associação Brasileira de Magistrados, afirma que a lei não muda porque empresários influentes e políticos poderosos não querem que mude.
Sucessão de erros
Alberto Dines:
– É inédita a rigorosa cobrança do ombudsman da Folha na edição de ontem, domingo. A repreensão ao jornal foi motivada pelo inominável gesto de publicar sem qualquer averiguação o artigo do colunista Cesar Benjamin sobre comportamentos pessoais do presidente da República num episódio ocorrido há 15 anos.
Sem qualquer adjetivação, objetivo e firme, Carlos Eduardo Lins da Silva foi duro com o jornal: “Só quem crê dispor de certezas prévias inabaláveis, como os fanáticos religiosos ou políticos (muitas vezes são a mesma coisa), pode se achar capaz de distinguir verdade e mentira com base só em palavras.”
Se o artigo publicado no dia 27/11 foi chocante, sua repercussão foi pior ainda: das 219 mensagens dos leitores dirigidas ao Ouvidor, apenas nove elogiaram o jornal pela coragem de publicar a indecência. As 210 restantes condenaram a Folha em termos bem mais veementes (a julgar pelas cartas publicadas pelo próprio jornal) do que os utilizados pelo comedido Lins da Silva. Estes dados são suficientes para dimensionar e qualificar um dos maiores deslizes éticos cometidos pela grande imprensa nos últimos anos. [ver, neste Observatório, ‘A imprensa aloprou’].
Foi um serial killing, aberração serial cometida arrogantemente ao longo de dez dias consecutivos: a “Folha” errou ao publicar o texto, errou no dia seguinte, incapaz de desculpar-se perante os leitores, errou quando não prestou atenção à primeira e breve reprimenda do Ouvidor (domingo, 29/11), errou quando localizou o pivô do episódio e colocou em sua boca uma condenação ao texto e não à decisão de publicá-lo e errou ao silenciar por tanto tempo diante de um desvio de conduta destas proporções. O Ouvidor identificou outros erros, todos gerados pela mesma onipotência [ver ‘Quem testemunha pela testemunha?’, FSP, 06/11].
A Folha, finalmente, acertou ao honrar o compromisso com o seu Ouvidor de publicar suas opiniões sem qualquer constrangimento. É um mérito que não deve ser esquecido em meio a tantos e tão perturbadores deméritos.