Difícil de entender
A cobertura diária das longas negociações entre governo e oposição no Congresso dificulta o entendimento dos grandes temas da política e dispersa a atenção do leitor.
É o que está acontecendo no caso do projeto de prorrogação da CPMF.
Depois de passar dias relatando detalhes sobre concessões do governo, sem fornecer o panorama geral dos interesses em jogo, os jornais noticiam hoje que a bancada de senadores do PSDB decidiu abandonar as conversas e simplesmente votar contra.
E o leitor fica como o espectador de uma novela na qual o par romântico se separa de repente sem se saber por que.
Para restabelecer o fio da meada, a Folha de S.Paulo e o Globo apresentam um quadro com as mudanças já aceitas pelo governo.
Basicamente, quem tem renda mensal de até R$ 1.716 ficará isento a partir de 2008 e poderá abater a CPMF ao pagar a contribuição previdenciária.
Quem tem renda mensal acima de R$ 1.716 poderá descontar o que gasta com a CPMF na declaração do Imposto de Renda devido, no limite de R$ 214,47, na declaração de 2009.
Isso é o que estava acertado quando as negociações foram interrompidas.
Suspense de novela
Ao deixar claro que o governo vai manter as concessões, os jornais criam uma zona cinzenta de entendimento: se as negociações foram encerradas, porque o governo não manda o projeto a votação no Senado do mesmo jeito que foi aprovado na Câmara?
Faltou dizer que, em política, como nas telenovelas, tem muita cena que é só para aumentar o suspense.
No caso da novela da CPMF, a aparição de um novo personagem pode explicar a súbita mudança de rumo no roteiro.
Na mesma tarde em que os representantes do PSDB negociavam com o ministro da Fazenda e o secretário da Receita Federal, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin se preparava para ir à reunião da Executiva do PSDB em Brasília.
Levava no bolso uma coleção de frases de efeito para dizer diante das câmeras.
Alckmin é radicalmente contra a prorrogação da CPMF.
Seu sucessor, José Serra, e outros governadores do PSDB, como o mineiro Aécio Neves e a gaúcha Yeda Crusius, são a favor, porque consideram que ficaria ainda mais difícil governar sem o tributo.
Se entrasse no enredo no mesmo capítulo em que se desenrolavam as negociações, Alckminn ganharia um holofote a mais.
Ele disputa com Serra e Aécio a indicação do PSDB para a eleição presidencial de 2010 e precisa se manter nas telas.
O capítulo das negociações foi interrompido e a reunião da Executiva do PSDB foi cancelada.
Mas a novela ainda está longe de acabar.
A imprensa está perdendo o fôlego
Em meio à sucessão de más notícias no setor aéreo, os jornais registram uma raridade: o empresário Ricardo Gobetti, sócio da Reali Taxi Aéreo, que operava o Learjet acidentado domingo em São Paulo, não apenas assumiu as resposabilidades civis pelo acidente como tem se apresentado toda vez que é solicitado pela imprensa.
Comparado aos empresários e executivos das grandes companhias envolvidas em tragédias recentes, Gobetti parece um estadista.
Mas esse é um oásis em meio ao deserto de soluções.
Os problemas nos aeroportos continuam sem perspectiva de solução, e a imprensa dá sinais de cansaço.
Se os jornalistas não mantiverem a marcação cerrada, corremos o risco de novas surpressas trágicas.
Dines:
– As bruxas estão soltas, os céus brasileiros já não são céus de brigadeiro. Como se não bastassem as sucessivas tragédias e o caos nos aeroportos ao longo de mais de um ano, agora temos o ministro da Defesa afirmando que a fiscalização das empresas aéreas não é efetiva. Horas depois, a BRA fechou as portas e demitiu todos os seus funcionários. A imprensa tem noticiado todos os eventos, acompanha os principais desdobramentos, mas a imprensa tem sido a primeira a cansar. Evidentemente não tem espaço nem recursos para manter no noticiário tudo o que está errado e tudo o que está sob suspeita. Mas quando a imprensa deixa de insistir, reclamar e cobrar, a sociedade perde a sua principal ferramenta para manter-se alerta. Fica vulnerável, sujeita a toda a sorte de surpresas. Exatamente como agora.
Luciano:
Plantão de polícia
A polícia Federal e as polícias de alguns Estados realizaram durante o dia de ontem, até o horário de fechamento de jorrnais, quase uma dezena de operações de repercussão nacional.
A mais visível delas, na qual apostaram os jornais, foi a chamada Operação Kaspar 2, da qual resultou a prisão de executivos de grandes bancos internacionais, além de empresários e doleiros.
Eles são acusados em um esquema de remessa ilegal de dinheiro para o exterior, com sonegação de impostos que pode ser superior a 1 bilhão de reais.
O Globo, que possui a maior rede de comunicação do País, conseguiu realizar uma cobertura mais ampla, mas mesmo assim não alcançou mais do que três operações.
O episódio revela como a imprensa, mesmo com os recursos praticamente ampliados pela tecnologia da informação, está muito longe de cobrir os fatos mais relevantes.
Concentrada em Brasília e com olhos apenas para a política e os grandes negócios, os jornais acabam frangando muitas histórias que ajudariam a entender melhor tanto a política quanto os negócios.
Crimes corporativos
A Operação Kaspar 2, que é a seqüência de outra investigação noticiada anteriormente, faz parte de uma longa sucessão de episódios que revelam a existência, no Brasil, de uma rede criminosa envolvendo empresas.
A cobertura fragmentada desses casos dificulta o entendimento de como funciona o crime organizado e impede que sejam criadas políticas públicas eficientes para combatê-lo.
Sabe-se há muitos anos que o crime organizado só consegue se sustentar se contar com o suporte do sistema financeiro.
A operação de ontem da Polícia Federal, com a prisão de executivos de três importantes bancos internacionais, é mais uma prova de que grandes corporações se dedicam regularmente a roubar o tesouro público.
E não se vê nos jornais mais do que a cobertura ocasional, dependendo sempre do enredo da ação criada pela Polícia Federal.
A diferença entre esses e os chamados bandidos comuns é a etiqueta de suas roupas.
Mas a imprensa não sabe ou não tem interesse em investigar com profundidade os crimes corporativos.