Distraindo o leitor
De repente, não mais que de repente, os jornais brasileiros descobrem o tema meio ambiente.
É manchete na Folha de S.Paulo e destaque nos outros jornais de circulação nacional o relatório do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais dando conta de que, no período de um ano encerrado em julho, o desmatamento acumulado na Amazônia foi 46% inferior ao ocorrido nos 12 meses anteriores.
Há muitas controvérsias sobre esse levantamento, baseado no sistema chamado Deter, Detecção de Desmatamento em Tempo Real, que é pouco preciso porque usa imagens de baixa resolução e não consegue identificar áreas de menos de 25 hectares.
Os jornais fazem essa ressalva, observando que a avaliação real dos desmatamentos, para fins oficiais, é feita pelo sistema Prodes, Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite, também desenvolvido pelo Inpe.
Por outro lado, informa-se marginalmente que os dados dos dois últimos meses de monitoramento pelo Deter, junho e julho, indicam um aumento da destruição da floresta, o que pode quebrar a tese de uma tendência de queda no desmatamento em doze meses.
Observe o leitor atento que no meio do ano, exatamente nesse período, ocorreu a controvérsia sobre a Medida Provisória 458, que foi aprovada em junho e regulamentou o uso e a propriedade de terras na Amazônia.
Muito seguramente, os desmatadores alteraram sua estratégia, tanto que foram registrados focos de devastação no interior da floresta, com certa redução nas bordas.
Como os dados são imprecisos e falta elaborar um estudo mais detalhado sobre a migração dos depredadores, a informação não tem um valor técnico absoluto, servindo mais a especulações do que para alimentar as análises sobre os resultados da política de preservação do patrimônio ambiental.
Como o tema deve frequentar os debates públicos a partir do ingresso da senadora Marina Silva na disputa eleitoral do próximo ano, conviria à imprensa ajustar suas lentes e processos ao reproduzir notícias sobre a Amazônia.
Porque noticiar, em letras garrafais, que o desmatamento caiu em níveis recordes, para depois, em letras miúdas, ressalvar que os dados não são confiáveis, é contradição grande demais para o observador achar que se trata de um simples equívoco.
O exemplo argentino
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, enviou ao Congresso, na quinta-feira passada (27/8), o projeto de uma nova Lei de Radiodifusão que está provocando muita celeuma. Há quem sustente que a proposta tem laivos chavistas e um alvo certo: o Grupo Clarín, maior conglomerado midiático argentino, contra o qual o casal Kirchner declarou guerra aberta depois de um longo período de estreitas relações.
O projeto começou a ser discutido em março deste ano e prevê, basicamente, a divisão das freqüências de radiodifusão em três partes iguais: uma destinada às empresas privadas, outra às transmissoras estatais e a terceira às organizações sem fins lucrativos, como ONGs, universidades e igrejas.
O texto traz avanços em relação à legislação vigente, promulgada durante a ditadura militar. Por exemplo: além de colocar entraves à propriedade cruzada dos meios, proíbe expressamente que parlamentares e funcionários públicos controlem emissoras de rádio ou TV. Garante que 60% da programação veiculada sejam de origem nacional; prevê o controle estatal da tarifa dos assinantes de TVs a cabo; assinala que as emissoras de rádio deverão apresentar um mínimo de 30% de música nacional e habilita as companhias de telecomunicações a prover serviços de TV a cabo junto com telefonia e internet – o chamado triple play. O projeto estabelece ainda que os monopólios que se formaram antes da sanção da lei não poderão alegar “direitos adquiridos”.
A presidente Cristina tem pressa e quer votar a nova legislação antes de dezembro, quando tomam posse os deputados e senadores eleitos em junho, de maioria oposicionista. Vale acompanhar. O Brasil tem muito a aprender com esse debate.