É tempo de caneladas
Começou nesta terça-feira um daqueles períodos que costumam intrigar sociólogos, antropólogos e especialistas em Psicologia Social: o tempo em que o Brasil veste sua camiseta verde e amarela e a razão sai de férias.
Ainda mais instigante, o tempo da Copa do Mundo coincide com o aquecimento de uma das mais concorridas disputas eleitorais do período da redemocratização.
Segundo os jornais, a oposição ao atual governo não encontra a tática adequada para furar o bloqueio de popularidade que defende o gol adversário.
A irracionalidade está à solta, e a imprensa não dá sinais de querer colocá-la sob controle.
No dia em que, segundo a Folha de S.Paulo, o técnico da Seleção, Carlos Caetano Verri, o Dunga, começa a construir seu destino de herói ou vilão, a imprensa derruba um de seus mitos mais resistentes, o sobrenome Tuma.
Associado a rigor no combate ao crime, graças à fama que lhe deu a própria imprensa, o sobrenome da família que tem como patriarca o senador Romeu Tuma, que foi celebrizado pela mídia como todo-poderoso chefe da Polícia Federal, passa agora para a outra banda da noticia policial, com a demissão do delegado Romeu Tuma Júnior do cargo de secretário nacional de Justiça.
Tuma Jr. promete contribuir para o clima de arquibancada que se forma em torno da Copa do Mundo e às vésperas de eleições importantes.
Ressentido com o que considera uma demissão injusta, ele sai atirando, e os jornais agasalham suas ameaças de espalhar mais lama, que certamente poderá se transformar em munição de campanha eleitoral.
É certo que enquanto a bola estiver rolando no campo de futebol, suspende-se toda intriga interna, que o inimigo é aquele que veste outro uniforme que não o auriverde.
Mas entre uma partida e outra da Seleção que é de todos, a guerra eleitoral tende a se tornar mais dura.
De qualquer modo, é nestes períodos em que a razão relaxa que se formam os dossiês de todo tipo, que a imprensa costuma selecionar cuidadosamente, conforme suas preferências, para formar o conteúdo do debate político.
O ruído das “vuvuzelas” e o foguetório que acompanha os passos de nossos craques em campos africanos predominam sobre as vozes sensatas que tentam manter a disputa eleitoral em padrões aceitáveis.
E a imprensa, pela amostra que forneceu até aqui, também vai distribuir suas caneladas.
Observatório na TV
O Globo começa desprezando o adversário do primeiro jogo: chama a seleção da Coréia do Norte, considerada a pior entre as 32 que disputam a Copa na África do Sul, de “seleção Tabajara”, referência a um dos programas humorísticos da Rede Globo de Televisão.
O Brasil e a imprensa na Copa – esse é o tema do Observatório da Imprensa na TV.
Uma Copa regada oficialmente a cerveja, através de um controverso contrato de publicidade que a imprensa não quer colocar em discussão.
Alberto Dines:
– Para os brasileiros, a Copa começa hoje. E também para os norte-coreanos. Hoje nossos “guerreiros” vão enfrentar a sua primeira batalha. E nós, os não-combatentes, vamos nos defrontar com esta aberração nas telonas de TV: uma multinacional brasileira de cervejas, patrocina nossa confederação de futebol, patrocina o comandante e patrocina alguns jogadores da seleção nacional.
No gramado, como toda a certeza, haverá um espetáculo esportivo mas em muitas casas o espetáculo televisivo poderá contribuir para que as crianças e jovens de hoje tornem-se alcoólatras amanhã. Veja o jogo e logo mais no “Observatório da Imprensa”, verifique se não temos razão. TV-Brasil, 22 horas, em rede nacional. Em S. Paulo, Canal 4 da Net e 181 da TVA.