Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

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Entrando no caso

Os jornais brasileiros finalmente resolveram entrar sem restrições no caso do desvio de dinheiro para contas no exterior, uma das operações deflagradas nesta semana pela Polícia Federal.

Como se houvessem combinado, os três mais importantes diários do país abrem hoje espaço para as descobertas da polícia sobre a ação de bancos estrangeiros, em especial os suíços, nas remessas ilegais que pode ter provocado uma evasão de pelo menos 1 bilhão de reais do Imposto de Renda.

O Globo foi o jornal que deu menos destaque ao caso, resistindo ainda às evidências de que grandes bancos internacionais podem ser a chave para o funcionamento de organizações criminosas que estão minando as economias dos países em desenvolvimento.

Mas o jornal carioca ajuda a entender melhor o caso, ao observar que, na Suíça, evasão fiscal não é crime – só é punido quem falsificar documentos para escapar do fisco.

O Globo cita representantes de uma ONG suíça segundo os quais a legislação daquele país protege criminosos ao aceitar seus depósitos praticamente sem restrições.

As fortunas de muitos tiranos da África e corruptos de todo o mundo em desenvolvimento encontram abrigo e sigilo naquele país.

A reportagem insinua que a Suíça não é simplesmente um país neutro – seu sistema financeiro o transforma em um país aliado do crime organizado em todo o mundo.

Reunião em Punta del Este

O Estado de S.Paulo e a Folha reproduzem detalhes das investigações da Polícia Federal que acusam executivos dos bancos suíços envolvidos na Operação Kaspar 2 de incentivar milionários brasileiros a transferir dinheiro ilegalmente para aquele país.

Nomes de peso no setor financeiro internacional, como UBS, AIG Credit Suisse e Clariden aparecem nos relatórios policiais como coordenadores da ação de doleiros.

O Credit Suisse é acusado de haver promovido uma reunião entre clientes brasileiros de altíssimo poder aquisitivo com a doleira presa na operação, Claudine Spiero, no badalado balneário uruguaio de Punta del Este.

As evidências apresentadas pelas autoridades policiais permitem à imprensa fazer, finalmente, um retrato mais completo do crime organizado, confraria que une traficantes dos morros cariocas, políticos corruptos e empresários desonestos, com a assistência de importantes instituições financeiras internacionais.

Ainda a CPMF

Os jornais de hoje revelam a derradeira tática que resta ao Executivo para fazer aprovar no Senado Federal o projeto de prorrogação da CPMF.

Depois de três semanas de negociações, tudo que o governo conseguiu foi a rejeição total do Partido Democratas, o constrangimento do PSDB e o assanhamento da base aliada por mais cargos e verbas.

Agora o governo está mapeando as necessidades e riscos dos Estados quanto à perda da receita para convencer o PSDB a apoiar a prorrogação.

Esta é uma boa hora para a imprensa passar a limpo a estratégia do governo Lula em suas relações com o Congresso.

Ao aliar-se a partidos sem estofo ideológico, o governo petista viu contaminar suas bases com aquilo que o falecido deputado Ulysses Guimarães chamava de ‘fisiologismo’, ou a adesão ao poder por interesses particulares.

As concessões ou promessas do executivo em troca de apoio pontual a projetos que considera importantes, que os jornais noticiam quase diariamente, são exemplos da prática fisiológica que marca as decisões do Congresso.

Notícias no varejo

Esse balcão de negócios limita a agenda política aos temas mais mesquinhos, e impede que a sociedade, através da imprensa, entenda a lógica dos legisladores.

Isso significa que, se o Executivo e o Legislativo estáo produzindo políticas públicas importantes, com uma estratégia definida, a sociedade não está participando dessas escolhas, porque ela só fica sabendo dessa agenda no varejo das barganhas.



Quando se limita a apenas reproduzir os fatos isoladamente, sem explicar ao leitor o contexto em que as decisões são tomadas ou adiadas, a imprensa afasta o cidadão das instituições que deveriam representar seus interesses.

Para esclarecer

Essa dificuldade que tem o leitor para vislumbrar o retrato completo da política não lhe permite entender, por exemplo, por que uma parte do PSDB apóia a prorrogação da CPMF e outra parte a rejeita.

Ou por que o PMDB faz um jogo de avanços e recuos, ameaçando rejeitar o projeto toda vez que o governo se aproxima de um número seguro para a votação no Senado.

Um comentário curto publicado hoje pela Folha de S.Paulo esclarece um pouco essa questão: observa o jornal paulista que, pela primeira vez, a questão do orçamento da União, que é afetado pela CPMF, pode ser discutido sem a pressão de uma crise financeira ou fiscal.

Com margens mais largas de recursos, o governo Lula poderá, com a CPMF, investir em projetos sociais de grande impacto.

Segundo a Folha, os integrantes da mesa de barganhas simplesmente querem uma carona na sorte de Lula em futuras eleições.


A crise sem fim

As medidas tomadas pelo governo depois da posse do ministro Nelson Jobim parecem ter melhorado a situação nos aeroportos.

As notícias sobre o acidente na Zona Norte de São Paulo, ocorrido domingo passado, indicam a hipeotese de falha mecânica e os jornais não se referem a problemas de controle na decolagem ou outra causa relacionada à infraestrutura do aeroporto Campo de Marte ou excesso de operações.

Mas o caso da empresa BRA, que suspendeu todos seus vôos nacionais e internacionais, deixando na mão milhares de passageiros remete a questão da crise para outro aspecto que tem sido pouco abordado pela imprensa.

A gestão das empresas aéreas, o modelo de negócio ou a estruturação do setor devem agora entrar no foco dos jornais.



A empresa BRA, reforçada com o apoio de investidores de boa reputação, entre os quais se encontra a empresa do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, vinha conquistando espaço entre as duas empresas hegemônicas do setor, a Gol-Varig e a TAM, e suas proezas ganhavam destaque na imprensa de negócios.

Chegou rapidamente a ocupar a terceira colocação no setor, com 4,6% de participação no mercado doméstico, e vinha crescendo também com vôos internacionais, no vácuo deixado pela crise da Varig.

Surpresa nos jornais

Até segunda-feira passada, quando a empresa anunciou que estava quebrada, sem condições de voar, não havia más notícias sobre a empresa nos jornais.

Cerca de 70 mil bilhetes haviam sido emitidos com data até março de 2008.

Os jornais informam hoje que, mesmo depois de sua diretoria decidir paralisar as atividades, as vendas continuaram, o que provocou uma denúncia do Procon ao Ministério Público Estadual.

Uma olhada no noticiário das últimas semanas revela um vácuo entre as notícias de sucesso da empresa e sua quebra surpreendente.

A pergunta que muitos leitores devem estar fazendo: será que a imprensa não tem capacidade de analisar a saúde das empresas?

Outra questão, que o Procon está fazendo publicamente: será que a quebra da BRA foi programada, para colher o máximo de dinheiro de passageiros incautos e só depois anunciar a paralisação dos vôos?

E a última, a pergunta que não quer calar: se o jornalismo de negócios só sabe enxergar os casos de sucesso e não consegue ver os sinais de risco para o consumidor, para que serve, afinal?