Fora, Sarney
A imprensa manteve durante o final de semana a atenção ligada no caso das decisões administrativas secretas que vinham sendo tomadas há uma década pelo Senado Federal.
Só não explicou ainda ao público como foi possível manter o esquema durante dez anos sem que nenhum jornalista sequer desconfiasse de tal falcatrua.
Conforme se esclarecem os fatos, concentram-se as evidências de que o chefe do grupo que domina a Câmara Alta do Legislativo brasileiro é o seu presidente, o senador José Sarney.
Mas as duas revistas semanais de informação de maior circulação, Veja e Época, passam ao largo das responsabilidades do vice-rei do Amapá e Maranhão e dirigem as acusações ao ex-diretor geral Agaciel Maia, como se um burocrata pudesse ter agido por conta própria durante todos esses anos, sem as costas quentes de um político a lhe garantir a impunidade.
A exceção segue sendo Carta Capital, que costuma nomear os bois devidamente.
Os jornais foram mais fundo, levantando as evidências de que a sucessão de irregularidades que mancha a reputação do Senado tem sempre uma conexão com o ex-presidente José Sarney.
Na edição de domingo, o Estado de S. Paulo publicou reportagem de uma página inteira mostrando como o Ministério Público e a Polícia Federal estão recorrendo ao Judiciário para apreender provas de transações milionárias com empréstimos consignados, que constituem uma das vertentes dos escândalos que marcam a atual legislatura.
Na mesma edição, o jornal traça um perfil do senador maranhense que representa o Amapá, mostrando como ele lutou para voltar à presidência do Senado por um motivo muito particular: encher-se de poder para fazer frente a uma investigação da Polícia Federal que ameaça colocar na cadeia seu filho Fernando Sarney e outros familiares.
“Na solidão do poder, Sarney vive o outono do patriarca”, diz o título da reportagem do Estadão.
Nada mais revelador. Aos 79 anos e cercado de escândalos, Sarney vive mesmo o ocaso de sua carreira política. Como o personagem de Gabriel Garcia Marquez, ele amarga a decadência mas se nega a largar o poder.
A imprensa noticia nesta segunda-feira que o Ministério Público Federal também está abrindo investigações sobre os 500 atos administrativos secretos revelados na semana passada.
É o começo do fim para Sarney.
A crise sem disfarces
Alberto Dines:
– Quando o jornalismo é notícia, um dos dois tem problemas. Às vezes são os dois, o jornalismo e a notícia sobre ele.
O antigo ditado está sendo confirmado quase todos os dias. Só se fala nos problemas da imprensa, do jornalismo, da mídia. Neste fim de semana, tivemos em Veja uma grande entrevista do escritor-jornalista americano Gay Talese, no Globo um longo artigo da colunista de economia, Miriam Leitão e no mesmo jornal uma crônica nostálgica de Luiz Fernando Veríssimo sobre as revoluções tecnológicas.
O sofisticado Gay Talese, conhecido internacionalmente, está com um livro novo nas livrarias brasileiras, tem falado pelos cotovelos, mas porque é famoso e falante parece mais arrogante do que é. Ou supúnhamos que fosse. Por exemplo: afirmou que a crise é dos jornais e não do jornalismo.
Seduzido pela própria retórica, não percebeu que ao descrever os pecados cometidos pelos jornais colocava o jornalismo na berlinda. Impossível separar a função de um órgão do seu desempenho. Jornais não falam, são empresas, quem fala neles são os jornalistas através do jornalismo que oferecem.
Se o jornalismo que hoje se pratica nos Estados Unidos e aqui se copia fosse de boa qualidade, não estaríamos sendo ludibriados pela balela de que o pior da crise econômica global já passou. Não passou e, ainda por cima, sequer começaram a aparecer os seus efeitos sociais e políticos.
A própria crise da imprensa não está sendo devidamente interpretada pelos jornalistas, incapazes de apontar as falhas cometidas pelos jornais e empresas jornalísticas na fabricação de bolhas, factóides e simplificações.
É positivo mostrar ao público que os seus veículos de informação estão em crise. Não é bom disfarçar as culpas com truques e sofismas.