Guerra na polícia paulista
Não é só no Rio de Janeiro que o aparato de segurança pública abriga conflitos explosivos. No Estadão desta sexta-feira (11), a revelação de imagens do circuito interno do Shopping Pátio Higienópolis, mostrando encontro do secretário de Segurança, Antônio Ferreira Pinto, com o repórter Mario Cesar Carvalho, da Folha de S. Paulo, é tratada sob o título “Policiais espionaram secretário da Segurança”.
Segundo o secretário, citado no Estadão, a conversa no shopping foi sobre caso que envolvia uma escrivã de polícia despida por corregedores durante uma revista. Segundo blogues que divulgaram as imagens, a conversa foi sobre atividades irregulares de um funcionário da secretaria, o sociólogo Túlio Khan, acusado de vender dados sigilosos e demitido no mesmo dia em que a notícia foi publicada pela Folha. Um desses blogues é atribuído a policiais civis. É anônimo. Convém lembrar que a Constituição de 1988, ao garantir a livre manifestação do pensamento, proibiu o anonimato.
O repórter Mario Cesar Carvalho deu ao Observatório da Imprensa entrevista em que avalia o episódio:
Mario Cesar Carvalho – Eu tenho a forte impressão de que estou sendo espionado pelo que eu chamaria de banda podre da polícia. Por banda podre da polícia entenda-se delegados investigados sob suspeita de corrupção. Há vários casos em curso aqui em São Paulo que mostram suspeitas de desvios no Detran, que é a polícia de trânsito, e no Denarc, que é a de narcóticos. Eu tenho a forte impressão de que essas pessoas me seguem, ouvem minhas conversas no celular, a ponto de saberem onde eu estou. Este quadro faz parte de um panorama maior, que é uma guerra não declarada, uma guerra surda, entre o secretário de Segurança, Antônio Ferreira Pinto, e o secretário de Transportes, o Dr. Saulo [de Castro Abreu Filho], que ocupou a pasta de Segurança no governo anterior de [Geraldo] Alckmin. O grupo do Saulo foi fortemente afetado pelas medidas que o Ferreira Pinto adotou, buscando moralizar a polícia. A reação desses policiais parece vir dessa forma: chantagear a imprensa, espionar jornalista. Só que a Folha, obviamente, não se curva diante desse tipo de chantagem.
Mauro Malin – Qual é sua opinião sobre a captura de imagens do circuito interno do shopping?
M.C.C. – O vídeo em si é uma violação da intimidade. Não há ordem judicial para o shopping entregar essas imagens.
M. M. – Esse fato dá margem à abertura de um inquérito policial?
M.C.C. – Eu espero que a polícia abra um inquérito, porque houve ali, obviamente, um crime. A divulgação de imagens sem autorização judicial, imagens captadas por circuito de segurança, é um crime.
O Globo e a verdade
José Genoino participou da Guerrilha do Araguaia há quarenta anos. Capturado em 1972, ficou preso. Dez anos depois, elegeu-se pela primeira vez deputado federal. Foi reeleito cinco vezes. Passou, portanto, vinte e quatro anos no Congresso. Em 2005, quando estourou o escândalo do mensalão, era presidente do PT, cargo que deixou de exercer poucos dias depois da denúncia feita pelo então deputado Roberto Jefferson à Folha de S. Paulo.
Ontem, Genoino foi nomeado assessor do ministro da Defesa, Nelson Jobim, com a incumbência de trabalhar junto ao Congresso. A chamada na capa do Globo destaca, de sua biografia, dois itens: “Mensaleiro do PT e ex-guerrilheiro, Genoino vira assessor da Defesa”. Que se destaque o fato de Genoino ser réu no processo do mensalão é válido, jornalisticamente, cabendo notar, entretanto, que nem o Estadão nem a Folha o fizeram.
Mas destacar a condição de ex-guerrilheiro de Genoino lembra o tempo em que o Globo dialogava confortavelmente com o regime militar. Em editorial, o jornal defende a decisão de divulgar, dias atrás, documento das Forças Armadas contra a instauração da Comissão Nacional da Verdade. Essa divulgação teve cheiro de “recado”. No mesmo editorial, o Globo faz uma proposta no mínimo bizarra: que sejam apurados os crimes cometidos pela esquerda, mas não os cometidos por militares e policiais a serviço da ditadura.