Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>Iluminando a retaguarda
>>Torcendo palavras

Iluminando a retaguarda

Para encerrar a semana em que a imprensa virou notícia do começo ao fim, alguns dos principais jornais do País resolveram discutir o futuro do jornalismo diante das novas tecnologias.

O problema é que, em vez de falar do futuro, os participantes falaram do passado. Pelo menos foi o que deram a entender, ao demonstrar que ainda estão discutindo eventos que já aconteceram.

Por exemplo, boa parte do tempo foi dedicada à integração das redações que produzem jornalismo de papel e jornalismo digital.
 
O evento chamava-se Media On 2010 – Seminário Internacional de Jornalismo Online – realizado em São Paulo sob patrocínio do Instituto Itaú Cultural e portal Terra.

Durante três dias, representantes da imprensa brasileira ouviram especialistas como Aron Pilhofer, editor de notícias interativas do New York times, Matthew Eltringham, editor de mídias sociais da BBC de Londres e Susan Grant, vice-presidente executiva da rede americana CNN.
 
Estavam à disposição, portanto, responsáveis pelo que há de vanguarda no processo de transição dos suportes tradicionais da imprensa para os novos meios eletrônicos.

No entanto, conforme observa o próprio Estado de S.Paulo nesta sexta-feira, “no Brasil, as discussões sobre o tema ainda tratam das etapas da convergência entre a versão impressa e a atividade online”, enquanto nos grandes jornais do Japão, Europa e Estados Unidos, o braço digital assume o centro das operações.
 
Dirigentes de alguns dos maiores jornais brasileiros encerraram o encontro procurando mostrar otimismo.

Ricardo Gandour, diretor de conteúdo do Estadão, disse que a chegada dos tablets com acesso à internet ajuda a resgatar o valor da edição, porque eles proporcionam o prazer da leitura com calma.

Sérgio Dávila, editor-executivo da Folha de S.Paulo, celebrou o fato de seu jornal haver integrado as redações, criando um núcleo captador de notícias que funciona 24 horas por dia.
 
Os dois representantes da grande imprensa abordaram a questão do resgate da reflexão na notícia, tanto no processo de produção como na leitura, mas não adiantaram como pretendem promover essa revolução em seus jornais.

O que tem faltado, e isso não depende de tecnologia, é justamente reflexão, que foi substituida pela imposição de opiniões: um elemento que pode ser chamado de “jornalismo de qualidade”.

Assim, com uma lanterna na popa, como dizia o ex-ministro Roberto Campos, a imprensa vai iluminando a retaguarda enquanto navega para um futuro incerto.
 
Torcendo palavras

Alberto Dines:

– Quando a imprensa é notícia, supõe-se que ele procure ser clara, compreensível, equilibrada, veraz. Certo ou errado? Erradíssimo. A mídia tem obrigação de clarificar o que é obscuro, mas quando está no papel de protagonista seu desempenho é geralmente ambíguo, controverso, confuso, pífio. E suspeito. Às naturais deficiências de nossas redações acrescenta-se um tratamento equívoco e distorcido, geralmente soprado por outras esferas das empresas jornalísticas. Como se a imprensa não conseguisse cumprir com os seus deveres mínimos perante a sociedade aos expor os seus interesses e suas deficiências.

O seminário internacional organizado pela Secretaria de Comunicação da Presidência sobre convergência das mídias foi exemplo desta incontida tendência para a manipulação e o desvirtuamento nas raras ocasiões em que a imprensa trata dela mesma. Das 12 intervenções dos especialistas estrangeiros e a saudação de abertura do ministro-anfitrião nossa mídia tratou apenas de duas e esqueceu o resto, o que já denota uma disposição para extrair do encontro seus méritos principais: a abrangência e a riqueza dos diferentes olhares.

A maioria das manchetes dos dias seguintes (4ª e 5ª) foram disparadas contra o jornalista Franklin Martins que no discurso de abertura fez um apelo para que no debate sobre  a criação de um marco regulatório para a comunicação eletrônica sejam esquecidos os fantasmas do passado. “O clima de entendimento é melhor do que o de enfrentamento’, disse o ministro.

Nenhum dos grandes jornais conseguiu vencer a tentação de subverter a frase e preferiu apresentá-la como ameaça do governo à liberdade de expressão. Outra intervenção que atraiu o furor da mídia foi a do especialista da UNESCO, Toby Mandel, que repetiu o que este Observatório da Imprensa vem afirmando há mais de uma década: o Congresso Nacional não tem legitimidade para aprovar as concessões para emissoras de radiodifusão porque a maioria dos parlamentares goza da dupla condição de concessionário.

Esta é uma aberração liminar que compromete toda a nossa estrutura midiática e não apenas no segmento eletrônico. Neste caso, quem comandou a ofensiva foi a ABERT, entidade empresarial de radiodifusão que convive muito bem com este vício de origem. O governo errou muito nas suas relações com a imprensa, sobretudo quando a levou aos palanques eleitorais. A reestruturação do setor eletrônico e a sua acoplagem ao novo mundo digital é imperiosa. Quem não entender esta urgência vai sobrar.