Imagens bizarras
As imagens chocantes de dois policiais militares, um capitão e um cabo, que roubaram os dois ladrões que haviam assaltado e baleado o ativista social Evandro João da Silva, se reproduzem pelos jornais brasileiros e já ganham espaço na mídia internacional.
Elas retratam o eixo principal da violência nas grandes cidades brasileiras, realidade que costuma ser omitida pela imprensa: o crime só avança com ajuda da polícia.
O crime aconteceu na madrugada de domingo, no centro do Rio. As câmeras de segurança de um banco registraram a sequência: os ladrões atacam Evandro e disparam contra ele. Apenas dezessete segundos depois, passa a viatura da polícia. Os policiais abordam os assaltantes, tomam os objetos roubados – um casaco e um par de tênis – e os deixam livres. Em seguida, se retiram e abandonam a vítima agonizando no chão.
Os policiais chamam-se Dennys Leonard Nogueira Bizarro e Marcos de Oliveira Sales.
O capitão Bizarro, cujo sobrenome apenas empresta mais morbidez ao caso, era o responsável por fiscalizar as atividades policiais no centro do Rio naquela madrugada.
Os jornais levantam a hipótese de que os assaltantes fossem seus conhecidos, provavelmente também integrantes da polícia.
Isso explicaria o fato de que o capitão e o cabo nem tenham se dado o trabalho de pedir documentos aos criminosos.
Mas a imprensa não contempla outra hipótese: a de que se trate de crime encomendado.
Evandro João da Silva e a entidade da qual participava, a AfroReggae, representam os personagens que se equilibram na linha fina entre a polícia e o crime organizado, tentando evitar que mais adolescentes e jovens sejam cooptados pelo narcotráfico.
São empecilhos nas livres negociações que permitem aos criminosos dominar comunidades inteiras, sob o olhar complacente de policiais como o capitão Bizarro e seu assistente.
Os dois policiais estão sob prisão administrativa e o serviço de Relações Públicas da Polícia Militar já emitiu sinais de que a situação deles pode se aliviada.
Cabe à imprensa ir mais fundo na investigação, para que não se descarte a hipótese de que o assassinato de Evandro tenha sido mais do que uma cena corriqueira no cenário conflagrado do Rio de Janeiro.
Pautando a mídia
Alberto Dines:
– Está dando resultados a estratégia do presidente Lula para comandar o noticiário e ocupar os espaços na mídia. Tudo muito estudado: os “pronunciamientos” ocorrem na quarta ou na quinta, alimentam os jornais até o domingo e ainda sobra farta matéria prima para os semanários se divertirem. Sempre inspirado no senso comum e nos valores do seu eleitorado, o presidente não se importa com a avalanche de críticas que se seguem; interessa-se apenas em não deixar o campo livre para os adversários.
A entrevista concedida ao repórter Kennedy Alencar, da Folha de S. Paulo, quarta feira, teve o mérito de trazer a teologia e os evangelhos para a pauta nacional a fim de comprovar a imperiosa necessidade de coalizões por mais incríveis que pareçam. Enquanto os analistas mergulham nas sagradas escrituras, Lula deu uma salva de tiros em outra direção.
Há meses não comentava nem criticava a mídia, preferia delegar a observação da imprensa aos colegas Hugo Chávez e o casal Kirchner. Porém provocado pelo entrevistador, o presidente não resistiu e proclamou que a missão da imprensa não é fiscalizar, é informar. Curta e grossa, a frase teve enorme repercussão e continuará nos próximos dias, conforme o planejado. Porém o conceito mais importante ficou esquecido.
Em tom de confissão, Lula pintou um audacioso auto-retrato que merecia ser examinado com muita atenção. Disse ele: “Gosto de falar com o povo. Odeio intermediário com o povo. Esse negócio de gente falar por mim, eu não gosto. Por isso falo muito. (Folha, 22/10, p.A-8). Lula explicado por Lula é decididamente mais interessante e mais preocupante do que Lula visto pela grande mídia.