Jornalismo marrom
Os leitores da Folha de S.Paulo foram “brindados”, no sábado, dia 16, com a visão do assassino que matou doze crianças numa escola do Rio de Janeiro, na qual ele faz mira e aponta o revólver calibre 38 diretamente para a câmera.
A imagem, que ilustrava um texto curto noticiando o encerramento das investigações policiais sobre o massacre, causou impacto entre leitores, alguns dos quais manifestaram sua indignação em mensagens à redação.
Dias antes, a imagem do assassino apontando a arma para sua própria cabeça, exibida no portal Terra, também, havia produzido protestos.
Alguns leitores se declararam nauseados com o que consideram excesso na exposição do criminoso.
Há quem considere que a exposição de sua imagem, em posição de poder e autocontrole, pode estimular outros psicopatas a romper seu irolamento e resolver “acertar contas” com o mundo.
Independentemente, porém, de interpretações ou de afirmações mais ou menos científicas sobre o que se passa na cabeça de pessoas doentes, é possível estabelecer um debate sobre critérios jornalísticos.
A rigor, que função informativa tem a imagem do assassino ensaiando diante de uma câmera, com a barba grande, o olhar frio por trás da mira?
Em que sentido essa fotografia, exposta na primeira página de um jornal que pretende ser levado a sério, contribui para ajudar a entender o episódio?
Ou será que a Folha de S.Paulo abandonou de vez a distinção entre o que se costumava chamar de “imprensa marrom” e “grande imprensa”?
A julgar pelo comentário da ombudsman do jornal paulista, Suzana Singer, publicado do domingo, é questão de medir o grau de “sensacionalismo” da escolha editorial.
Ela diz que “são desagradáveis” as fotos do assassino colocando o leitor sob a mira do revólver. Mesmo assim, na sua opinião, “é melhor ter a opção de virar a página rapidamente do que nem ter essa opção”.
Epa! Então, está tudo liberado. Vamos publicar fotos pornográficas e escabrosas na primeira página, pois o leitor tem ainda a opção de virar a página rapidamente.
Ou assinar outro jornal.
Além dos fatos, explicações
Alberto Dines:
– Está sendo sensacionalista a cobertura da matança em Realengo? Este assunto está provocando tanta polêmica quanto o desarmamento. É bom que assim seja, a sociedade não pode deixar solta a sua mídia. Ela precisa ser observada com atenção, sobretudo quando este acompanhamento faz-se sem o viés partidário. No entanto, para se obter uma resposta sobre o sensacionalismo da mídia neste tenebroso caso é preciso antes estabelecer algumas diferenças: estamos falando de que mídia – dos periódicos tradicionais ou digitais, ou das toneladas de opiniões pessoais despejadas pelas redes sociais e blogs no ciberfórum? Veículos geralmente adotam critérios institucionais, a pessoa física tem compromissos apenas com a necessidade de descarregar o que sente.
De qualquer forma, é bom lembrar que nos anos 80, quando intensificaram-se os serial-killings nas escolas americanas, em seguida ao choque sempre se discutiu a questão da intensidade da cobertura para que ela não se transformasse em incentivo a ações semelhantes. Como resultado deste debate alguns jornais dos EUA decidiram tirar a cobertura das capas confinando-a às páginas internas. Não resolveu, obviamente.
A exibição na semana passada do vídeo do assassino do Realengo explicando as razões da sua insanidade também chocou alguns observadores. O erro no caso foi outro: aquele depoimento não deveria ser apresentado sem os indispensáveis comentários, acriticamente. O telespectador precisava ser alertado – de preferência por um médico – para a aparência sossegada do matador, sua paranóia agiganta-se justamente nesta pseudo-mansidão. O psicopata não agüenta os seus próprios surtos, necessita de intervalos quando então parece um louco-manso. Por esta razão é indispensável mostrar tudo, nada esconder, lembrando-se sempre que o bom jornalismo exige, além dos fatos, explicações. Saúde mental e saúde pública estão na mesma esfera, dissociá-las estimula a fabricação de horrores.
O Globo de domingo (17/4, pgs 16-21) fez muito bem em lembrar que as filas para tratar doenças mentais, no Rio demoram até quatro meses. Neste intervalo tudo pode acontecer.
Leia também:
Medo e Paranóia, Alberto Dines