Mais do mesmo na economia
Uma das coisas mais interessantes na observação dos jornais é justamente o olhar de um dia após o outro, refeito algum tempo depois, quando se analisa o quadro geral ao longo de certo período.
Veja-se, por exemplo, o noticiário econômico, que volta a ganhar destaque poucos dias depois do final das eleições.
Confinado a notas curtas e poucas referências nas primeiras páginas durante todo o período da campanha, o tema recupera prestígio e retoma seu lugar entre as manchetes.
Afora as especulações inevitáveis sobre quem vai ocupar os cargos mais importantes na condução da política econômica do futuro governo, agrega-se a circunstância em que agora se trata de assegurar a continuidade de uma estratégia que vem dando ótimos resultados, em um cenário internacional de grandes riscos.
O Brasil vai bem, mas arma-se no horizonte próximo uma guerra cambial, que foi um dos temas destacados pela imprensa na primeira entrevista coletiva da presidente eleita.
As especulações são inevitáveis porque, conforme lembra o jornalista Janio de Freitas, colunista da Folha de S.Paulo, “entre políticos e jornalistas há muitos centroavantes, deses que chutam qualquer coisa”.
Numa situação em que os políticos precisam infiltrar seus interesses no processo de composição do futuro governo, a parceria com jornalistas necessitados de notícias – mesmo que inventadas – torna-se quase uma decorrência natural do período.
Desautorizadas pela própria presidente eleita, essas especulações se recolhem agora ao espaço dos colunistas de política, especialistas nesse tipo de “plantação”.
O que ganha destaque, então, nas áreas mais visíveis dos jornais, é o exercício de futurologia sobre o que muda ou o que permanece igual na política econômica a partir de 1o. de janeiro.
Não é preciso ser muito esperto, ou melhor, é preciso não ser muito “esperto” para observar que nada vai mudar ou tudo vai mudar segundo as circunstâncias.
O que não muda é a estratégia, de basear o crescimento econômico no dinamismo do mercado interno – com reforços na renda da população mais pobre e da classe média –, e que tem permitido ao País crescer e enfrentar as consequêncis da crise financeira internacional.
O que muda é a operação econômica, como sempre, em função do dinamismo da economia global.
O resto é chute.
O que falta no noticiário
Os jornais finalmente concedem que a política econômica adotada pelo atual governo, e que deve ter continuidade sob a presidência de Dilma Rousseff, tem sido acertada.
Alguns dos mais severos críticos do governo Lula chegam a afirmar, nestes dias, que a principal qualidade da futura presidente será não mudar o essencial.
Os especialistas alertam, em geral, para problemas no câmbio, recomendam cuidado com a inflação e aconselham reduzir os gastos públicos.
Mas se percebe que, salvo alguns poucos, o clima geral é de otimismo e de aprovação às primeiras manifestações da presidente eleita.
Há, claro, aqueles analistas econômicos que passaram pelo poder.
Desses não se pode esperar mais que voltem às suas origens técnicas, uma vez que foram contaminados pelo vírus da política.
Aqui e ali, alguns comentaristas enxergam sinais de uma nova crise financeira, que pode ocorrer nos próximos três a cinco anos.
Mas também se observa que o atual governo deixa entesouradas reservas cambiais de quase US$ 300 bilhões, suficientes para assegurar os investimentos em caso de seca nas fontes internacionais.
Quando o presidente Lula da Silva assumiu, essas reservas eram dez vezes menores.
Mas falta alguma coisa ao noticiário econômico, e o que falta é o que nunca houve: os jornais continuam ignorando solenemente a questão da sustentabilidade.
Não que o tema esteja completamente ausente. Ele se apresenta regularmente, mas ainda está confinado às seções específicas de jornalismo científico, saúde ou meio ambiente.
É o tema que deveria cobrir transversalemente todas as seções do jornal, principalmente a de economia e negócios.
Uma mudança de governo é sempre uma oportunidade para rever conceitos.
Está mais do que na hora de a imprensa brasileira entender que o jornalismo econômico sem compromisso com a questão social e ambiental é incompleto.
Se os jornais pretendem exercer sobre o futuro governo um olhar crítico e fiscalizador, a melhor lente é a do desenvolvimento sustentável.
Essa continua a ser a pauta ausente.