Mídia surpreendida em Jirau
A maior obra em andamento no país foi paralisada após a destruição, ontem, de 35 alojamentos e 45 ônibus. Repetição ampliada de motim iniciado na véspera no canteiro de obras da usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. A mídia faz uma cobertura tardia e desencontrada. Quando é que repórteres foram enviados a canteiros de obras do PAC distantes dos grandes centros para ver o que estava acontecendo? Não foram.
Ontem, o Jornal Nacional usou a palavra “vandalismo”, a mesma empregada pela construtora Camargo Corrêa, encarregada das obras civis, para descrever a explosão de fúria.
Nesta sexta-feira (18/3), o Valor, que dá o noticiário mais pobre, atribui o motim a um “conflito entre trabalhadores”. Segundo o Globo, “truculência de encarregados, seguranças e motoristas é a principal queixa dos operários. E a agressão a um deles foi o estopim da rebelião”. Os noticiários mais fornidos são os da Folha e do Estadão. A Folha destaca o ponto de vista dos trabalhadores. Ouviu um deles, que disse: “Eu e outros viemos para cá por conta de promessas que não foram cumpridas. Isso aqui estava fervendo”. A Folha explica que promessas feitas por recrutadores não se confirmaram no canteiro de obras. O Estadão se apoia na versão da construtora mas ouve trabalhadores. Um deles disse: “Todo mundo aqui veio de longe para ganhar um salário melhor e levamos bala. Nunca vi isso em nenhuma empresa no Brasil”.
Em novembro de 2005, um alojamento para 1.500 empregados da construtora Camargo Correia em Barão de Cocais, no Vale do Aço mineiro, foi incendiado. Só a mídia da região e de Minas Gerais noticiou o conflito. Ele nunca chegou aos principais veículos do país. [Ver “Fogo no alojamento”.] E quantos mais não chegaram, não se sabe. Mas já foi pior: sob a ditadura, nada do que se passava com os trabalhadores nas grandes obras, como Itaipu e a Ponte Rio-Niterói, era noticiado.
Regulação em marcha
Alberto Dines:
– O impasse sobre a regulação da mídia no Brasil começou finalmente a ser contornado. Os três documentos produzidos pela UNESCO e ontem divulgados podem ser designados como um diagnóstico e, nesta condição, contém, um receituário para encaminhar o debate. Constituem um road-map, mapa do caminho, jamais tentado porque até hoje as partes não conseguiam livrar-se de dogmas ideológicos. As etiquetas “Controle social” e “Intervenção do Estado” são falaciosas. A regulação da mídia não implica em controle de conteúdo, como se propala. Ao contrário, se for bem feita, só a fortalecerá. Quando em 1934 o presidente Franklin Roosevelt criou a FCC (Federal Communications Comission) não estava preocupado em interferir no que escreviam jornais, revistas ou que diziam as rádios. Queria apenas regular a concorrência porque a concorrência deve ser regulada em todos os mercados. A mais dramática prova disso está no crash financeiro de 2008, fruto de uma desregulamentação selvagem e irresponsável. E quando os 10 países mencionados como modelos no estudo da Unesco adotaram os seus marcos regulatórios pretendiam apenas fortalecer as respectivas democracias. A despolitização e a racionalidade são as tônicas deste trabalho porque oferecem alternativas: a auto-regulação pode conviver perfeitamente com a regulação e o desenvolvimento de ambas não nos dispensará de fiscalizar com rigor a concessão para emissoras de rádio e televisão. A Unesco é um órgão das Nações Unidas que no passado cometeu algumas besteiras políticas, mas em matéria de comunicação tem excelentes credenciais. Uma delas foi o Relatório MacBride, Um mundo, muitas vozes de 1980 e o mais recente, de 2005, Da sociedade da informação para a sociedade do conhecimento. O processo está em marcha, o importante agora é discutir, não adianta fingir que nada aconteceu.