Luciano:
O governo endureceu o discurso em defesa da permanência da CPMF até 2011.
E avisou o PMDB para que evite misturar a votação sobre o tributo ao caso do senador Renan Calheiros.
Mas e imprensa ainda está devendo um bom esclarecimento sobre o verdadeiro valor dessa contribuição provisória que virou permanente.
Fala Alberto Dines.
Noticiarismo sobre a CPMF
Dines:
– No caso da CPMF a imprensa está praticando o noticiarismo, o jornalismo de notícias, ainda não conseguiu cumprir a tarefa de fazer jornalismo analítico. Acompanha os fatos, reproduz as declarações, mas ainda não conseguiu examinar a situação com distanciamento e espírito didático. Como a classe empresarial, por princípio, é contra impostos e tributos e como as empresas jornalísticas são antes de tudo empresas, está ficando visível que no caso da prorrogação da CPMF a imprensa está mais propensa a comportar-se como um conjunto de empresas do que como um conjunto de veículos de esclarecimento. Seria leviano acusar a mídia de fazer pirraça ao governo ou de estar tentando reagir às ameaças que tem sofrido nos últimos tempos. O mais certo é imaginar que as empresas jornalísticas estão sendo solidárias com as demais empresas e, sobretudo, com os contribuintes – seus leitores — que evidentemente gostariam de livrar-se do imposto do cheque. Mas a imprensa tem outros compromissos, o mínimo que se espera dela num debate desta magnitude é que esqueça seus interesses e atenda aos interesses do país.
Luciano:
Jogo de pressões
Enquanto o senador Renan Calheiros jurava que não vai renunciar ao cargo de presidente do Senado para salvar seu mandato, o seu partido, o PMDB, resolveu chantagear o governo em troca de apoio no julgamento de quarta-feira que vem.
Segundo o Estado de S.Paulo, emissários de Renan já avisaram o governo que podem votar contra a prorrogação da CPMF, que o governo considera essencial para a continuidade da sua política econômica.
A Folha de S.Paulo destaca a entrevista do presidente Lula a emissoras de rádio, na qual ele garante que Renan não vai misturar o processo de cassação com as votações no Congresso.
Sem explicações
Os jornais pouco têm contribuido para esclarecer o leitor sobre o que realmente significa a CPMF.
A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira foi criada em 1996, por sugestão do então ministro da Saúde, Adib Jatene, como fonte de recursos para o setor.
Desde então, ainda no governo Fernando Henrique, a CPMF tem sido usada para financiar outras áreas do Estado, o que levou Jatene a deixar o Ministério.
Mas além de fonte de receita, a contribuição acabou se transformando em instrumento eficiente para a fiscalização de renda e investigação de lavagem de dinheiro.
Os jornais têm trazido, além dos debates entre governo e oposição, pouco mais do que a opinião de especialistas em tributação.
É pouco para o tamanho do problema.
Revista nova, velha fórmula
Na semana passada, propaganda ostensiva no rádio, na internet e na televisão lançou a Revista da Semana. É a nova empreitada da Editora Abril. A professora Beth Saad, do Departamento de Jornalismo e Editoração da Universidade de São Paulo, é especialista em estratégias de empresas informativas na internet e comenta o lançamento.
Beth Saad(*):
– O que eu acho é que está havendo sempre uma tentativa da imprensa tradicional em traduzir ações que são típicas do meio digital, para o meio impresso. Do mesmo modo que foi a Mais Você, agora está sendo a Revista da Semana. Ou seja, tentar traduzir para um linguagem linear, a linguagem que é multidimensional. Na internet ela consegue se desenvolver muito bem, exatamente porque tem múltiplas perspectivas, e, no meio que é linear apenas e unidimensional, isso não consegue acontecer, porque não é o suporte adequado. Então acaba que ficando quase que uma colcha de retalhos.
Hoje, com o que a internet pode oferecer e com a capacidade que ela dá ao usuário, de ele mesmo montar esta cesta de informações e ter uma diversidade de fontes, o que é importante para imprensa tradicional, a escrita, por exemplo, é justamente aprofundar e oferecer opinião analítica, que a internet não tem condição de olhar.
Luciano:
– A professora comenta também que o jornalismo na internet erra ao repetir os modelos impressos. São raras as exceções. Leia a entrevista completa com Beth Saad aqui.
O plebiscito e a imprensa
Apenas o Globo reproduziu o trecho da entrevista do presidente Lula às emissoras de rádio no qual ele garante que não vai sequer levar em conta a campanha pela reestatização da Companhia Vale do Rio Doce.
Desde segunda-feira, entidades, partidos e movimentos sociais se
organizam em torno de uma campanha pela reversão do processo de privatização da empresa.
O PT apoiou o plebiscito, mas Lula deixou claro que o assunto ‘não está nem estará’ em sua mesa.
A Folha foi o único jornal que não negligenciou completamente a discussão. Abriu o Tendências/Debates de domingo para o professor Fábio Konder Comparato, que aponta um ‘atentado contra o patrimônio nacional’. Ontem, na mesma página dois, a Folha exibia a posição de Adilson Abreu Dallari, combatendo Comparato. Ele afirma que o processo de privatização da empresa foi juridicamente correto.
A votação termina domingo, sob a olímpica indiferença dos jornais.
Lições da China
Apenas o Estadão publica hoje notícia sobre a viagem de dirigentes do Partido dos Trabalhadores à China.
Informa o jornal paulista que o presidente do PT, Ricardo Berzoini, e outros dez dirigentes, vão estudar como o Partido Comunista chinês organiza sua estrutura de 72 milhões de filiados e como administra a área de comunicação.
Berzoini não explica como a política de um país sem liberdade de expressão poderia ajudar o PT a melhorar sua estratégia de comunicação.
A viagem em si e o título que o Estadão dá à notícia – ‘PT vai à China aprender com comunistas’ – certamente não contribuem para melhorar as conturbadas relações do partido do governo com a imprensa nacional.
(*Colaborou Tatiane Klein)