Notícias de Cuba
As edições do final de semana da imprensa brasileira sobre as mudanças em Cuba começaram a tirar o foco da figura de Fidel Castro e olhar para o interior da ilha.
Com exceção de Veja, que parece ter abandonado qualquer ambição de fazer jornalismo, a imprensa do Brasil mostrou, no domingo, que pode dar espaço também para a vida civil e não só para a a política.
Foi o que se viu no fim de semana.
Mas, em suas edições de hoje, os jornais brasileiros repetem a manchete dos principais diários de todo o mundo, anunciando a posse da Raúl Castro na presidência de Cuba e apostando em mudanças no regime criado por Fidel Castro e seus camaradas.
Não fosse por algumas entrevistas com cientistas políticos brasileiros, o leitor teria a impressão de que o jornalismo nacional foi pautado pelas agências de notícias internacionais.
O Estado de S.Paulo, que manteve durante décadas uma guerra unilateral contra a revolução cubana, apresenta uma visão mais contida das possibilidades de revisão no regime, e informa que, mesmo sem Fidel, a ilha continuará sendo dirigida pela ‘velha guarda’ da revolução, o que não autoriza expectativas de grandes transformações.
Soa mais realista do que os outros jornais.
Mas é a Folha que consegue acrescentar melhor a chamada cor local, relatando os pequenos sinais de dissidências e de maior tolerância com manifestações não convencionais.
O relato sobre a ‘rave gay comunista’ é bom exemplo desse esforço.
Assim, se conseguir interpretar a linguagem, digamos, ‘contemporânea’ da Folha, o leitor brasileiro fica sabendo que os homossexuais também podem fazer suas baladas em Cuba.
Semiclandestinamente, claro.
A tentativa de entrar na sociedade cubana para sentir o pulso dos desejos de mudança é melhor jornalismo do que o que vinha sendo feito nos últimos dias.
Até o final da semana, o noticiário se prendia quase inteiramente à figura de Fidel Castro.
Como aconteceu durante a longa agonia do ex-presidente Tancredo Neves, os jornalistas não sabiam exatamente qual era o estado de Fidel quando renunciou, nem mesmo se ainda tinha condições de decidir e comunicar sua própria renúncia.
Se os jornais tivessem alguma informação dos bastidores do poder em Cuba, talvez a manchete do dia seguinte devesse ser: ‘Fidel subiu no telhado’.
Quase uma obsessão
As revistas semanais não conseguem sair do lugar-comum e acabam se repetindo.
Alberto Dines:
– Três das quatro revistas nacionais saíram neste fim de semana com Fidel Castro na capa. Pretendiam parecer atuais, sabiam que ontem à noite seria escolhido o sucessor do comandante cubano. O curioso é que duas das três capas foram montadas em cima da mesma foto: a silhueta de Fidel em preto-e-branco. Como são adversárias políticas, a mesma imagem serviu para títulos diametralmente opostos: Veja saiu-se com um ‘Já vai tarde’ e CartaCapital ficou no óbvio — ‘Cuba sem Fidel’. E daí? Época, com um outro close de Fidel Castro tentou ser mais criativa e perguntou: ‘Estamos diante de uma segunda revolução cubana?’. Não sentiu necessidade de responder. O único semanário que tentou ser diferente foi IstoÉ ao considerar que lipoaspiração é mais importante do que Cuba. Enquanto isso, no pequeno mundo dos grandes jornais as semelhanças também são flagrantes. Dos três jornais nacionais, dois deles lançaram ontem suas novas muletas para sustentar a circulação: a Folha de S. Paulo começou a oferecer uma série de livros de grandes escritores brasileiros e O Globo lançou uma promoção pseudo-ecológica onde o leitor pagará nove e noventa para receber um livro e um panda de pelúcia ambos perfeitamente inúteis. Como se não bastasse, Folha e Estado, em S. Paulo vieram fechadas num envelopão onde está dito que notícia importante tem que vir na capa. Só que a tal notícia só era importante para os respectivos departamentos de publicidade – o envelope foi pago por uma corretora da bolsa de valores, o leitor que se dane. No dia em que o cidadão descobrir que pode viver sem este tipo de jornalismo talvez seja tarde para mudar.