O mundo é uma jabulani
A semana começa e termina com futebol. No recheio, o mundo passa por transformações importantes, o Brasil vai assumindo um novo papel nas relações internacionais e a imprensa segue registrando tudo no varejo.
Nem mesmo as edições de fim de semana dos jornais e as revistas semanais, que costumam oferecer ao leitor uma visão geral dos acontecimentos do período, conseguem amarrar o noticiário de modo a facilitar a compreensão dos fatos.
À margem dos assuntos considerados importantes, centenas de famílias nordestinas vivem o inferno da calamidade climática e seu drama não merece a cobertura continuada e interessada dos grandes jornais.
A seleção brasileira de futebol chega à sua hora da verdade, e as divergências entre o técnico Carlos Dunga e parte da imprensa esportiva parecem superadas, diante da fase em que qualquer erro pode custar a classificação.
Na hora do vamos ver, o ufanismo fala mais alto.
No outro lado do espectro de notícias, onde os números ditam uma realidade menos sujeita a paixões, os jornais divergem a respeito dos rumos da economia mundial.
A reunião do G-20, cúpula dos países desenvolvidos e emergentes realizada no Canadá, terminou com algumas decisões que contemplam reivindicações dos países emergentes, defendidas pela representação brasileira.
O comunicado oficial informa que os países ricos vão reduzir seus déficits mas os ajustes deverão evitar prejuízos ao crescimento econômico e à geração de empregos.
No entanto, os principais jornais de circulação nacional não chegam a um acordo quanto à interpretação dos resultados do encontro.
Os negócios globais terão maior controle dos Estados, o sistema financeiro será submetido a controle permanente e a reforma do Fundo Monetário Internacional será acelerada, para aumentar sua eficiência, tudo, letra por letra, atendendo às reivindicações do Brasil, segundo o Globo.
Para o Estado de S.Paulo, no entanto, a principal decisão do G-20 representa uma vitória da Europa, que defendia metas concretas de redução dos déficits dos países.
Já para a Folha de S.Paulo, a decisão atende a posição do Brasil e demais emergentes, que priorizam a recuperação econômica, mas prepara a economia mundial para uma era de austeridade.
Os jornais não demonstram ter feito um grande esforço para explicar ao leitor o que vem por aí na economia globalizada.
No entanto, todos sabemos, detalhe por detalhe, como joga cada uma das seleções que ainda sonham com o título da Copa na África do Sul.
Para a imprensa brasileira, o mundo é uma jabulani.
Ignorando a tragédia
Alberto Dines:
– O mundo está empolgado com a Copa e o Brasil empolga-se um pouco mais ao esquecer que é impossível viver apenas de paixão e prazer. Além das eleições de outubro – decisivas para o futuro do país – temos na agenda o mundo em polvorosa e a continuação no Nordeste da catástrofe climática que assolou o Sudeste no fim do ano e início deste.
Nos jornalões de ontem, domingo, percebe-se a desumanização da sociedade brasileira quando se verifica que a tragédia que desabou sobre os estados de Alagoas e Pernambuco foi praticamente escondida. Nas capas da Folha e do Estadão, poucas linhas de texto. A insensibilidade diante da morte e destruição fica mais patente ao reparar que nas páginas internas dos dois diários paulistas havia farto e dramático material informativo.
Significa que os porteiros das redações não ignoravam a dimensão do evento climático, por isso prepararam-se, investiram recursos da empresa mas na hora de montar a primeira página, trocaram o apelo por sentimentos mais nobres, como a solidariedade, pelas trepidações do espetáculo esportivo.
O Globo erradicou da capa todas as referências às conseqüências do dilúvio e apenas registrou-o burocraticamente nas páginas internas. E como os diários ainda mantém-se como os mais confiáveis indicadores da importância dos fatos, este cruel desbalanceamento arrasta o resto da mídia – rádio, os canais a cabo e a Internet – para o mesmo caminho.
A quem interessa este tipo de insensibilidade e descaso? Aos governos, claro. Quanto menos destaque para as tragédias, menos cobranças. Esta é a essência do jornalismo das “boas notícias”, favorável, inofensivo, e que a Folha abraçou com tanta desenvoltura.