Mais um desastre aéreo
Mais uma tragédia aérea em São Paulo, menos de quatro meses depois que o Airbus da TAM caiu e explodiu em Congonhas, matando 199 pessoas.
Os dois tripulantes de um jato executivo que caiu sobre uma casa e seis pessoas da mesma família são as vítimas fatais.
Mas desta vez os jornais pouparam seus leitores de especulações irresponsáveis.
O horário do acidente, 14 horas de um domingo, facilitou a cobertura, e o noticiário não contém os exageros e os julgamentos apressados que contaminaram o caso do Airbus.
Destaque para o Globo, que localizou e entrevistou uma testemunha privilegiada, um homem que consertava o telhado de uma casa na rota do avião acidentado e descreveu o desastre.
O material colhido pelos jornais quase não deixa dúvida de que o Learjet teve problemas nas turbinas durante a decolagem, uma das causas mais comuns de acidentes aéreos.
O piloto teria desviado o avião de um prédio ante de cair sobre a casa.
O acidente levanta novamente a questão da localização de aeroportos em áreas densamente povoadas, e os jornais mais uma vez entrevistam urbanistas para debater a falta de planejamento das nossas cidades.
Mas, como todos os acidentes, o de ontem na Zona Norte de São Paulo vai para os arquivos em poucos dias.
E os jornais também vão guardar para a próxima tragédia a cobrança por mais fiscalização das autoridades municipais sobre o crescimento desordenado das nossas cidades.
Enquanto isso, uma imensa favela avança e se consolida junto às pistas do aeroporto internacional de Cumbica, em Guarulhos.
Os vândalos e os mortos
A página policial do Globo traz hoje um retrato de como a imprensa brasileira vê a sociedade: três estudantes da Barra da Tijuca, no Rio, atacaram prostitutas com jatos de extintor de incêncio. Três jovens foram assasssinados a tiros, a sair de uma casa noturna na Baixada Fluminense.
O Globo dá mais destaque à traquinagem dos meninos de classe média do que ao assassinato dos jovens da periferia.
O jornal juntou as duas notícias sob o mesmo título, o que sugere que considera os dois eventos comparáveis.
Talvez o jornal carioca pudesse explicar melhor a relação entre os dois fatos.
Por mais que se esforce, o leitor dificilmente vai entender como uma brincadeira sem feridos pode se equivaler a uma chacina.
Piratas na rede
A observação da imprensa é uma atividade sujeita a interpretações contraditórias.
É parte do jogo democrático e é da natureza da imprensa suscitar o embate de pontos de vista diferentes.
O que não faz parte do jogo é a truculência e a tentativa de calar a voz divergente.
A ação de piratas da internet, que tiraram do ar o site do Observatório da Imprensa é o tema do comentário de hoje de Alberto Dines.
Dines:
– O ataque dos hackers ao site do Observatório da Imprensa no último fim de semana não feriu ninguém, mas causou graves prejuízos materiais e, sobretudo, morais porque introduziu numa atividade imperiosamente pacífica como é o jornalismo um clima de intimidação. O clima de intimidação é incompatível com o Estado de Direito. A imprensa só funciona plenamente no Estado de Direito, ela é um antídoto para a força bruta e quando se converte em vítima da força bruta é necessário acionar os alarmes: algo de grave está acontecendo. Os delinqüentes que atacaram este Observatório não deixaram mensagens nem manifestos; como todos os terroristas, queriam chamar a atenção através do vandalismo e da destruição. O Observatório da Imprensa é um veículo jornalístico, mas ao mesmo tempo, um fórum de debates — aberto, autônomo, comprometido com a busca de excelência, mas a excelência em jornalismo só se alcança em ambientes livres de ameaças. A mensagem de violência emitida por estes hackers bateu no endereço errado: o medo não mora aqui.
Luciano:
Entrevista polêmica
A Folha de S.Paulo gosta de polêmicas e acaba de postar uma delas na edição de hoje, ao entrevistar o cientista político americano Charles Murray.
Murray, uma das fontes prediletas de articulistas conservadores, é autor de uma controversa teoria sobre diferenças de quociente intelectual entre raças.
Basicamente, não há na entrevista qualquer novidade significativa com relação ao que o autor já disse em seu livro ‘A Curva de Bell’, publicado há mais de dez anos.
Também não há estranheza no fato de a Folha gostar de polêmica.
A questão é que o jornal omite o fato de que Charles Murray tem sido contestado durante todo esse tempo e que sua vinculação a grupos de interesse político de extrema direita coloca sob suspeita a sua credibilidade como cientista.
Charles Murray recebeu mais de um milhão de dólares para produzir livros que atacam as políticas sociais compensatórias.
As críticas ao seu trabalho incluem erros de matemática e de lógica, distorções de dados estatísticos e a susbsituição do raciocínio científico por aparições espetaculosas e oportunistas na mídia.
A Folha teria prestado um melhor serviço aos seus leitores se, ao lado da entrevista, apresentasse um perfil mais acurado do entrevistado.
A vida real
Na contramão da tese do cientista político entrevistado pela Folha, o caderno de economia do Estado de S.Paulo revela que empresas e agências de publicidade estão tentando entender o mercado de baixa renda, considerado a base para o desenvolvimento sustentável da economia em todo o mundo.
A inclusão de populações da chamada base da pirâmide social no mercado de consumo é resultado das políticas criticadas por Charles Murray.
Na vida real, ao contrário do que diz o cientista político americano, as políticas de compensação têm proporcionado saltos de desenvolvimento em populações que historicamente vinham se mantendo à margem da sociedade.
Segundo o Estadão, empresas como a Nestlé enviam equipes para os bairros pobres, não só no Brasil, como na Rússia, na índia e na China, tentando entender como seus moradores fazem escolhas, quais são seus hábitos alimentares e seus desejos.
Em todos os chamados países emergentes, e até mesmo em cidades do primeiro mundo, como Nova York, as políticas sociais compensatórias não levam em conta o mito de que brancos são mais inteligentes do que negros.