Polícia faz política
A cada dia a sucessão de acontecimentos requer da mídia o exercício de uma capacidade maior de síntese. É para isso que existem as redações de veículos jornalísticos. Para conseguir enxergar o conjunto e tirar conclusões. Os cidadãos ficam perdidos em meio à tempestade de informações.
Antes de mais nada, a mídia precisa dizer claramente o óbvio: ações policiais divulgadas com espalhafato são ações políticas. O problema é que, sem a mídia, elas não funcionam.
Classe é classe
Falaram a Fiesp e a Associação Comercial. A Rede Bandeirantes divulgou editorial contra o abuso de autoridade na Daslu, aproveitando para dar uma cutucada na Globo, preferida pela Polícia Federal para acompanhar o show na butique.
Ninguém se levantou em defesa de vítimas pobres do exibicionismo policial, que se repete dia após dias nos programas de televisão, sejam eles de jornalismo ou de falso jornalismo, e nas páginas de jornais.
É um retrato da natureza das relações sociais no Brasil.
Caminhão da Daslu
O Alberto Dines relembra um episódio mal explicado envolvendo a Daslu que passou em brancas nuvens pela mídia.
Dines:
− Repara como a imprensa está alvoroçada com a Operação Narciso da Polícia Federal, que levou para o xilindró durante algumas horas os sócios da famosa Daslu. Curiosamente, no fim de maio a mesma mídia não se mexeu para averiguar o roubo de um caminhão que transportava roupas caríssimas acabadas de chegar do exterior para a mesma loja. Vinte e quatro horas depois, o caminhão reapareceu intacto, não faltava peça alguma. A absurda explicação da loja foi engolida pela mídia inteira: os ladrões teriam desistido de ficar com aquele tesouro de roupas porque eram caras demais, não encontrariam quem as comprasse.
Ora, bolas, como é que os ladrões, supostamente marginais, poderiam saber o preço de cada peça − vieram etiquetadas do exterior em reais ? E vocês acham que um ladrão iria sentir-se obrigado a vender um jeans por cinco mil reais ? Ele venderia por 200, 100, 50 ou até 20 e já estaria no lucro. Evidentemente, foi um roubo fraudado ou uma jogada promocional que a imprensa inteirinha assimilou e veiculou sem qualquer contestação. Num país onde a mídia deslumbra-se com a riqueza a ponto de esquecer as suas obrigações, tudo é possível.
Patriotada marota
Nota da Telemar que sai como matéria paga nesta quinta-feira, 14 de julho, diz que declarações dadas ontem pelo presidente da Telecom Itália, Paolo Dal Pino, são mais graves por partirem de um estrangeiro.
É a velha apelação do capitalismo brasileiro ao nacionalismo.
TV Cultura
O presidente da TV Cultura, Marcos Mendonça, rebate hoje no jornal Valor críticas à linha da emissora. No domingo, o assunto foi tema de editorial da Folha de S. Paulo.
Diz Mendonça: “Não tirei nada do ar. Ao contrário, ampliamos a grade com novas opções para o telespectador. Produzíamos duas horas de programação e agora produzimos doze”.
Terror contra crianças
Quem acha que terrorismo é reação de pobres contra ricos deveria pensar na dizimação de crianças num bairro pobre de Bagdá, ontem. E no massacre na escola de Beslan, na Rússia, no ano passado.
Primeiro Mundo
Manchete do jornal Chama, do PMDB do Estado do Rio, número 3, maio: “Rosinha dá ao Rio de Janeiro segurança de primeiro mundo”. Não é piada.
No Globo de hoje, Silio Boccanera compara segurança pública de primeiro mundo com a carioca. O Rio tem 45 assassinatos anuais por cem mil habitantes. Londres, com população equivalente, tem dois e meio por cem mil.
O Estado do Rio não tem nem prisão para Fernandinho Beira-Mar. Hoje, Ancelmo Gois informa no Globo que o traficante Bem-Te-Vi deu uma festa na Rocinha para homenagear o traficante Lulu, morto pela polícia. Um vídeo sobre a vida de Lulu foi exibido num telão.